QUE VERGONHA, presidente!
Carlos Augusto Corrêa
CONTROLE DE pragas |
CONTROLE DE pragas |
O Corona Fascismus, no Brasil denominado COVID-64, é uma grave enfermidade de que de tempos em tempos vem sofrendo a humanidade. Ultimamente tem se espalhado pelo mundo.
Acometendo o sistema nervoso central, leva o paciente a querer pegar em armas, a cometer crimes hediondos e a desenvolver a Síndrome Popfobia, uma série de atos obsessivo-compulsivos contra tudo a que o povo tem direito, especialmente à cultura, à educação e à aposentadoria. Outra consequência da Síndrome, considerada altamente nociva, são os pesadelos que provocam. O paciente acorda com entusiasmo, ou orgasmo cívico, e passa a sonhar obsessivamente em levar, por exemplo, pro Maracanã centenas de presos políticos e realizar sessões de tortura coletiva.
Infectado pelo vírus Alpha Corona Fascismus, o Heil Boz, a vítima também desenvolve ainda manias como injetar o próprio vírus em mulheres, índios e sobretudo em negros e na população LGBT. Ou fechar terreiros de Umbanda ou menosprezar credos afro-brasileiros.
As reações de alguém contaminado pelo agente podem ter outras manifestações. Ora cantam o hino pátrio feito um tenor durante um pagode, ora gemem na relação erótica com voz de barítono ora vão à Rio Branco recitar fragmentos do Mein Kampf, como se lessem o Apocalipse. Incrível, amigos, ficam com mania de ensinar estudante a ser delator de seu mestre. Pagam até cafezinho pra que isso aconteça.
A prevenção contra esse tipo de Corona, como se dá? Por leituras flexíveis anuais e por uma dose nada psicótica de diálogos humanistas. Mas, pra isso, precisa o governo de providenciar escolas mais aparelhadas e de preferência não militares, que possam passar textos que mexam com a essência do pensamento. São altamente recomendáveis os de Sociologia e Filosofia que livram o pensamento daquele cheiro bélico de quartel.
É grave a situação. Os contaminados almejam fazer uma grande manifestação em todo o país. As autoridades democráticas estão em luta insana pra superarem esta enfermidade que afeta consideravelmente a psiquê e provoca, já se viu mais acima, um quadro amplo de disenteria cerebral.
Antal Strohmayer, O Jardim dos filósofos, 1834. |
Leiam essa. Conversava com o Tião, um bom malandro que conheci naquele pedaço entre os Arcos da Lapa e a Cinelândia.
- Tião, quer dizer que só teve dois empreguinhos na mocidade?
- Carlitos (os olhos arregalados), trabalho dá muita dor. Eu com 78 só penso no prazer. Vivo do que me dão desde moço, e é uma delícia. Olhe só, aqui tenho onde tomar banho, não tenho cheiro, a barriga (e deu dois tapinhas nela) tá sempre cheia. Sempre, um gorozinho amigo.Tive dengue três vezes e fui medicado.
- Vejo sempre você comendo aqui no Passeio Público.
- Claro, quero lugar ventilado. Eu como quentinha que pego com os amigos e nesse lugar, enquanto como, penso na fome que estou matando. Que delícia! E depois que como, fico sentindo como é bom ter a comida dentro da pança.
- Claro.
- Mas ninguém para, Carlitos, pra sentir uma coisa pequena dessas. Já percebeu? Nego come pensando no que vai fazer daqui a pouco. É um prazer que essa gente não vê. O prazer está no corpo. Esse povo não sente assim.
- E dorme onde?
- Quando não chove, aí na beira-mar. Muito bom dormir ouvindo a onda bater e receber a brisinha na cara.
- Mas essa sensação você só sente no físico.
- Não, Carlitos. Esse prazer me deixa sossegado. O prazer da comida, do vento na carinha só vale se eu tenho paz. Eu tenho um amigo por aqui que é dessa opinião. Pra ele, o que come e bebe só dá prazer se ele tiver paz e sossego. A gente não gosta de sentir dor. E se ela vem, a rapaziada da farmácia ajuda e eu também me lembro das coisas boas que fiz.
- Deus está vendo a sua felicidade, Tião.
- Bom, se ele vê ou não vê, não sei. Sei que adoro essa vida sossegada. Não quero saber o que existe lá no mundo dos anjos.
- Certo, mas um dia a gente morre. Tem que pensar nisso.
- Não adianta pensar na morte. Isso só causa dor. Pra quê? A carcaça da gente envelhece, o espírito também. Um dia todo o mundo vai embora. Pronto.ão
- Que brisinha boa é essa?
- Aproveite, Carlitos, pra sentir como o rosto da gente fica macio quando venta. Já reparou? Não fique como todo o mundo, só pensando no que vai pagar e comprar.
Tião não me convenceu de que seu ritmo de vida é o ideal. Mas percebi que ele se sentia muito bem assim. Joguei no ar pra ele o seguinte:
- Você está morando no Jardim de Epicuro.
- Picu... o quê? Homem, cê não tá me levando a sério. Eu amo esse Passeio Público. Você, então, me leve até esse outro lugar aí, quero conhecer. Eu adoro um jardim com vento, comida e birita.
Eu era bem moço quando comecei a ler João Cabral e, confesso, levei um susto. Habituado a uma poesia intimista, de repente topei com aquela arte mais racional, pensada ao extremo. Sinceramente causou estranhamento e no fundo causa até hoje décadas depois de ter produzido a sua obra e anos após a sua morte.
Viveu até os 79 anos. Este ano, em outubro, João Cabral de Melo Neto faria 100. Por tudo isso sinto necessidade de escrever essas linhas. Quero lembrar ao leitor veterano e mostrar aos novatos quanto ele influenciou as gerações de 60, 70 e 80. E ainda é presença viva na poesia do século XX.
Bem cedo e assumindo as lutas de minha geração, li "Morte e Vida Severina" comovido. Uma de suas obras maiores. Vi o poeta do Capiberibe falar do homem do campo com tanta densidade.
Foi e é um poeta com um rigor. Pensa exaustivamente em cada verso, cada estrofe, cada poema. Havia emoção em sua arte? Evidente que sim. A emoção circula suave. O poeta fazia questão de que ela não fosse muito explícita.
Esta visão de arte foi bastante praticada pelas vanguardas poéticas brasileiras e pela poesia discursiva posterior. João Cabral se aproximou dos maiores do século XX. Juntou-se a Mário de Andrade, a Oswald, a Bandeira, a Drummond, a Murilo Mendes, a Jorge de Lima. Alguns grandes poetas contemporâneos, dele, se aproximam. Cito Ferreira Gullar, por exemplo.
O poeta conquistou prêmios importantes, como o Jabuti e o Neustadt, que equivale ao Nobel Americano. Muito bom lembrar que, na época de sua morte, seu nome foi muito lembrado ao Prêmio Nobel de Literatura. João Cabral - um desses poetas que, em vida, conheceram o gosto tão almejado da eternidade.
Grupo antifascista realiza marcha na Itália |
Venho de novo a essa página pra me manifestar sobre um fato que me contraria, e muito. É que ali e aqui me acham simpatizante do fascismo. Inacreditável. Ora me perguntam, como ano passado ocorreu, se sou de direita, ora me convidam a ler os tais textinhos "patrióticos" sectários e revoltantes.
Pelo que escrevo, pelas pessoas a que me refiro, por todas as manifestações aqui no Chão de Praça (onde só permito a entrada de democratas), é difícil alguém me tachar dessa palavrinha ofensiva.
Os que me julgam um patriota "verde-amarelo" que saibam: não vou a qualquer passeata, carreata, "onibusata, bicicletata" que seja de direita.
As pessoas que cultivo e levo pra meu Chão de Praça são do nível de Darcy Ribeiro, de Paulo Freire e Niemeyer. Eu lá vou destacar um cabeçudo da ordem e progresso, desses que se notabilizaram pelas torturas praticadas ou por declarações marcadas pelo preconceito e discriminação...
Desde bem moço, quero saber de ler Castro Alves, Drummond, Saramago. Gosto de Glauber Rocha e me sinto quase sempre entre Deus e o Diabo na Terra do Sol.
Por favor, essa página que abri no Face acolhe todo o mundo. Sem dúvida. Ela é aberta. A minha coluna de crônicas Chão de Praça não. Só entram nela os genuinamente democratas. Então, não me venham com insinuações ou convites pra participar de eventos fascistoides, pois, sempre que me oferecerem esse presetinho de grego, vão receber um ácido menosprezo.
desliza ao longo do caminho
o torto da alpercata
seguem-lhes os que o seguem
secura e olhos
ao longe a cruz
percorrem as latadas
plantam as pedras
do assombro
que frutos acentuam
a rubra aurora
(oswaldo martins)
Amor, escultura de Alexander Milov. |
Amour, amore, love, Liebe, mahal, entre outras palavras pra significar sentimento tão variado. Em português, são quatro letras; em filipino, cinco. Quatro, cinco, sete, sejam lá quantas sílabas... que importa? Senti-lo é o desejado.
Lembro aqui alguns casos de amor, como o de benevolência paterna. O Deus que ama a humanidade, o pai benevolente. Esse sentido pode também ser aplicado àquele tal patrão bondoso que raramente demite, mas prende alguns funcionários a um salário ínfimo.
Existe o amor que é caridade, visto, por exemplo, nas ruas. Ali, de noite, aparece sempre mão caridosa ofertando aumento e agasalho. Esse amor caridade se encontra também nessa gente que numa conversa ama revelar compaixão pelo pobre. Aqui onde moro conheço um assim. Vive apregoando "amour" pelos necessitados. Curioso que um dia o vi fuzilando de raiva, não porque alguém humilhara um coitado (palavra por ele usada com frequência). Não. É que perguntaram se ele havia sido pobre na infância. A resposta do caridoso veio a galope: "E por acaso, moço, eu tenho cara de pobre?"
Amor pode ser devoção a pessoa ou a filosofia. Hoje pela manhã, um vizinho, praticante assíduo do amor devoção, fez um verdadeiro discurso homenageando o presidente do país. Um amigo que passava na hora me viu na janela e confidenciou: "E um tipinho fascista desses pode amar filosofia? Como? Ele vive mastigando rancor.
Amor de tantos sentidos. E o delicioso amor carnal? Hein? Margarida, cheirosinha ali do Lido, é que sabe como no exato momento ela parece estar mordendo os ares. Margarida não sabia que em horas do tipo a natureza pulsa forte dentro da gente e aproxima o homem dela. Ela simplesmente estrebuchava.
Tem o amor cortês que não mais encontro nem em casalzinho de igreja. Tem o amor platônico, garantido, pois seguro, afinal o amante assim não contrai qualquer enfermidade venérea.
De todas as formas de amor, duas delas me agradam mais. A primeira: só existe um amor intenso quando um sente ser necessário pro outro. Esta, uma verdade sem contestação e serve pra garantir a qualidade das outras formas de amor (o cortês, o platônico etc.). Passei a acreditar nele depois que vivi dessa forma esse sentimento. Fui desprendido e tive correspondência plena.
A segunda forma de amor que me seduz é quando nutro pelo próximo esse intenso bem-querer. O amor ao outro é milenar a cristãos, agnósticos e ateus e deve ser incentivado.
Com essas duas formas de amor, só terei na vida um grande empecilho, que é um dia deixar de existir. Então fico mais e mais convencido de que, neste sentido, a vida pode ter o seu lado de paraíso.
subiam os aclives dos morros
tontos de deus e das casas
surtiam fisionomias tortas
decaídos do rés do chão
àqueles pontos íngremes
homens e mulheres, que erram,
tangendo o gado, a pilhagem
a cega da foice, a martelar
contíguos ao abastado das
fazendas repetia nos passos
descalços iam os romeiros
do bom jesus a subir
a encosta adrede levantada
Tenho andado por essa cidade tensa e não encontro Affonso, o Romano de Sant'Anna. Cadê meu amigo? Olhe que circulei por Ipanema, ali perto da Nascimento Silva onde noa encontramos algumas vezes. Passei pela Senador Dantas, parei um pouco naquele trecho que dá pro Passeio Público. Não tenho encontrado o poeta.
Funcionasse ainda o JB. na Avenida Brasil e o localizaria ali, sempre gentil e sorridente. Foi assim que vi e vejo meu amigo.
Como não o tenho encontrado, resolvi me lembrar dele pegando umas linhas poéticas de sua obra. Quem sabe elas podem compensar a sua ausência? Mais: quem sabe podem ainda interessar aos novos leitores?
Vejam a simplicidade madura (ser simples não é fácil) com que fala da mulher:
"Ali está uma mulher madura, mais que nunca pronta pra quem a souber amar".
É preciso olho de poeta pra enxergar desse jeito a mulher.
Olhem isso:
"O corpo é/onde é chama".
Ou ainda essa reflexão sobre a sua linguagem que deve interessar a muito escritor moço:
"Debaixo de minha escrita/ há sangue em lugar de tinta/ - e alguém calado que grita".
Afonso faz uma confissão ao se tornar quarentão. Uma boa lição pra quem adentra essa idade sentindo-se um mestre na arte de amar que nem eu. E foi vendo linhas assim e vivendo muito, que passei a aprender mais sobre o assunto.
"Estranho/ que depois dos 40/ esteja aprendendo/o que é o amor".
Ao final dessa conversa me sinto satisfeito pela lembrança dos poemas. Deu ainda grande vontade de me sentar à mesa com o poeta em um barzinho da cidade. Infelizmente meu texto não conseguiu abrandar essa vontade. Ao contrário, ele a aumentou.
Chão de Praça
Carlos Augusto Corrêa
A Consciência da Necessidade
Uma definição pro amor, parceira? Tema tão vasto. Eu teria que falar sobre a visão do amor cortês, do amor romântico do XIX até o daqui, com o feminismo em alta e marcado pela velocidade da informação tecnológica.
Você, no entanto, prefere se fixar na convivência amorosa hoje. Certo. O que atrai, então, esse relacionamento? Será que é a condição social e financeira estável que dá a ambos tranquilidade pra desenvolver o amor? Não, decerto não é. Isto ajuda mas não é o determinante. Nem posso aceitar que a miséria seja motivo pra unir mais um casal.
Será o matrimônio importante pra se cantar um amor verdadeiro? Muito menos isso. Casado, separado, solteiro, viúvo ou que outra condição, não tem a menor importância. Esse tipo de casamento, hoje, não faz um amor perdurar. Tantos casais se desfazem anos depois de terem realizado um casamento com muita ou média ostentação.
Amiga, o que une um casal é o conceito de necessidade. Eles se unem porque um sente que é necessário pro outro. Um supre os limites da parceira ou parceiro.
O que fez Sam What, no filme Ghost, pra proteger sua mulher Molly Jensen a fugir dos bandidos? Sam What fora assassinado e em espírito permaneceu na Terra pra evitar que sua esposa fosse também morta. Se teve essa opção de defender a mulher de modo espiritual, sendo só espírito, foi porque em vida tiveram uma relação forte de necessidade um do outro. Só mesmo uma relação íntima bem estruturada, pode gerar essa consciência. Caso contrário, ela se desfaz a pouco e pouco.
Conheci e conheço casos assim. Um pedreiro amigo relatou em um momento em que meu casamento estava se desfazendo: "Carlitos, não largo minha família. Eu cuido do trabalho e da casa; ela, também. Quando me falta alguma coisa, ela entra com sua vivência. Quando a gente veio da Paraíba e foi construir a casa na favela, quantos sacos de cimento me ajudou a carregar. E, enquanto eu cimentava, ela martelava".
Isto é amor. Veja que não é nada idealizado, romântico, ideal. É algo concreto baseado numa relação rica em experiência. Um ser necessário ao outro. Essa consciência da necessidade significa liberdade de ser e, no caso, de praticar o amor que perdure. Desse modo fica mais fácil até pra se contornar o problema do cansaço conjugal, caso ele venha a se manifestar.
Não posso crer naquele cidadão que exige de mim no texto uma metáfora bem bonita pra impressionar. Décadas atrás um médico me aconselhou, quase como se fosse receita, começar uma crônica com uma silepse de gênero, que daria uma beleza ímpar à conversa. Relevei a ingenuidade dele, fingi uma crise de tosse e passei a conversar sobre corrida de cavalo.
Ora, uso metáfora, silepse ou outra figura dessas bonita, feia, simpática, antipática, não pra mostrar que eu seja um belo praticante do idioma. Faço uso do recurso que for necessário pra exprimir essencialmente uma situação. Pra mostrar que, ali, a metáfora, e só ela, tem de aparecer. Ela sai de mim com a situação que escrevo e também por causa de minha formação de escritor. Não faço literatura pra me exibir em salões como exemplos de quem se traja muito bem pra um lançamento ou quem faz amizade com grandes nomes pra aparecer feito um bibelô em antologias. Aqui, o furinho (buraco é palavra por demais envelhecida) é bem mais embaixo.
Chão de Praça
Carlos Augusto Corrêa
O Rio de Ontem
Tudo quanto diz respeito ao Rio e a Vila Isabel me toca. Sou carioca que não sai do Rio há quase trinta anos. Tenho a Vila e a Lapa, a Ilha e o Lido, o Rio todo entranhado na veia.
Recebi e-mail de meu amigo José Srur com um resumo sobre o Rio de ontem, que lhe fora enviado por Roberto Marcelo Ferreira. Li, reli, pentali o resumo e me transportei pra aquela época.
Tempo do lotação, lembram?, do bonde que me levava ao Colégio de São Bento, e que um dia causou a morte de um amigo de infância que ficou preso na armação do veículo e foi batendo com a cabeça no asfalto.
Tempo em que cinema tinha sessão das duas, quatro, seis, oito, dez. Depois do filme ali na Saens Pena, a gente entrava no Palheta e sorvia o cafezinho que se tornou conhecido em toda a cidade.
O telefone era preto e grande, de aspecto abrutalhado, quase cobria o ouvido. Mas foi com ele que fiz minha primeira declaração "in love", e com palavras ingênuas, ingenuinhas mesmo, porém com um encanto de menino que adorava.
Fumar na ocasião trazia pra muitos bem-estar e pra outros tantos prejudicava. Lá se fumava Continental, Hollywood. E o Minister e o Marlboro? Nomes exóticos, sinônimos de status. Era elegante na esquina junto com os amigos de sempre tirar do bolso o isqueiro Zippo e fumar.
Aos sábados e domingos, a zona norte e o subúrbio iam pra Copa ou Ipanema se bronzear e à noite se desfilava pelas ruas principais do bairro com a carinha queimada. Um colega na ocasião confessou que no ônibus punha a cara junto à janela pra pegar sol. Andar bronzeado era um modo de se sentir um perfeito zona sul.
Quem não se lembra da bala toffee, do drops Dulcora? O baleiro do cinema vendia também mentex, enquanto o lanterninha que facilitava a passagem das pessoas também vigiava os casaizinhos. Uma vez me atrapalhou o flerte com uma meninete que pegara na Cinelândia. Quando a gente começava o ritual, lá vinha ele.
Avião era da Vasp, Cruzeiro do Sul. E um dos jingles cantava no final do ano: "Estrela brasileira no céu azul, iluminando de norte a sul..."
As quadras de futebol de salão, os piqueniques em Paquetá e na Barra da Tijuca, um Fla-Flu incandescente, os Festivais da Canção, os filmes do cinema novo no Paissandu, a bossa-nova, a geração de 68 rompendo hábitos. A gente não mais queria namorar só até as dez da noite e na porta da casa dela.
Srur foi muito feliz ao me enviar esse e-mail e me despertou uma ponta, muito inha mesmo, de saudade. Sinceramenre, não queria mais esse tempo de volta. Desejava ao menos que voltasse uma e duas vezes ao ano. É sempre bom se fortalecer com o passado e em seguida se olhar o presente com mais amplitude e partir lúcido pro amanhã.
1
os
movimentos
lambem
a orla dos sentidos
os
dedos
fazem
dançarem os atores
em
mínimos acordes
as
cordas estrugem
nas
antífrases
os
olhos colhem
a
pimenta seca
tóxica
do
agronegócio
a
danação de são guido
2
na
idade média
havia
campos de centeio
nos púnhamos a louvar deus
dançando
para são vito
o
látego e o canto
em
frenesi
compunham
nas costas
o
lanho da santidade
3
em
tebas
o
atabaque das tabacas
faz
de diôniso
um
deus
tanto
mais sagaz
quanto
mais o delírio
se
imiscui
na
contradita
da
cicuta socrática
4
em
tebas ainda
o
atabaque
celebra
com sementes secas
o
néctar e ambrosia
que
faz pela garganta
descer
o vinho de ágave
bebido
até a última gota
5
os
pentelhos de baco
eram
ninhos de cobra
daí
que a redenção
do
mundo aos gritos
do
evoé saudavam eva,
a
de cabelos quentes,
gênesis
do mundo
Temos que saudar a vida longa. É uma vitória biológica, psíquica e histórica do homem. Fico feliz quando se lembram com ênfase de alguém já idoso. O elogio fundamentado faz bem ao leitor e a todo aquele que vem atravessando por anos e anos a existência.
Estou me referindo à expressiva contista, romancista e advogada Lygia Fagundes Telles. Escritora que venceu na arte literária e que conta atualmente 97 anos. Noventa e sete, gente, de alegria em pleno sentido. Não foi à toa que ganhou três vezes o Prêmio Jabuti, quatro o Prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte. Abiscoitou ainda o Prêmio Juca Pato. E o Prêmio Camões. E, se não sabem ou não se lembram, ela aos 92 anos foi a primeira mulher brasileira a ser indicada ao Prêmio Nobel de Literatura.
As honrarias conquistadas por Lygia Fagundes Telles não param por aí e não precisam ser todas, nessas linhas comovidas, mencionadas. Melhor deixar pro leitor mais curioso ir à internet, a uma livraria, a uma biblioteca, a qualquer universidade brasileira e se interessar por sua obra, que encontrará material farto. Vão saber que seus contos e romances trabalham com criatividade os temas da tradição: o amor, a fantasia, a morte, a loucura, o medo. Verão estampadas, e muito bem estampadas pelo Brasil, a Ciranda de Pedra, Antes do Baile Verde, As Meninas e outras obras não menos marcantes.
Convido o leitor de todos os tempos a mais uma vez curtir horas lendo e relendo a obra daquela que foi considerada a Grande Dama da Literatura Brasileira.
Numa das mil vezes em que estive na casa de Moacyr Félix pra conversarmos sobre nossa paixão maior, a poesia, disse que queria mais uns dois, três livros importantes da poesia novíssima pra que pudesse me demorar escrevendo ensaios sobre eles em minha coluna de jornal, e não propriamente dar uma nota breve de três ou quatro deles, como muitas vezes fazia pois a quantidade de publicações razoáveis que chegavam era muita de fato, sobretudo quando eu estava pra completar um ano de coluna semanal.
Moacyr arregalou os olhos, e notei que havia surpresa, mais espanto, em seu olhar, por eu ter escolhido a ele para essa sugestão. Além do mais, o editor e poeta adorava influenciar a geração mais nova à qual eu também pertencia. Disse qualquer coisa como "é pra já", foi até um canto de sua biblioteca que ocupava boa parte de seu vasto apartamento e de repente me trouxe mais ou menos uns quarenta livros e afirmou: pode confiar, Carlos Augusto, esses poetas merecem um estímulo em qualquer coluna literária desse país. Aí repliquei: mas eu quero primeiro passar os olhos neles. E Moacyr: e precisa? Eu fui direto: claro, quero tão só dar uma olhadela. E dei: folheava aqui, ali e também acolá. Eram páginas de um, de seis, de todos, enfim.
Fiquei ansioso ao final, mas resolvi passar como um trator pela ansiedade. Afinal, meus vinte e tantos anos tinham a coerência, a minha, como arma, sem querer saber se estava tratando com A, B ou C da elite literária. Passei por cima do carinho que tinha pelo amigo, e não era pouco, e selecionei apenas dois livros. Pudesse, e Moacyr me jogaria lá do terceiro ou quarto andar onde morava. Ficou um tanto irritado, mas resolveu me acatar. Recolheu os demais livros e permitiu que eu levasse os dois vitoriosos.
Moacyr era assim, não só verboso como poeta senão também generoso com os amigos a quem queria ajudar pelo talento de cada um, principalmente quando a poesia deles era bem retórica como a sua. Fui pra casa naquele dia feliz por ter estado mais uma vez com ele e satisfeito ainda por ter acompanhado, como sempre, a minha consciência.
O assunto que trago já foi por mim comentado umas vezes, porém é sempre bom trazê-lo de novo. Interessa a quem gosta de escrever, sobretudo a iniciantes.
Foi em casa de mestre Cyro dos Anjos, em 1976. Eu havia feito uma resenha de um romance seu, O Amanuense Belmiro, que ele considerava de crônicas. Por isso, marcamos um encontro em sua residência. É desnecessário dizer que toda a conversa girou sobre literatura, em especial a crônica.
Ali, novinho, tive a oportunidade de ver as duas atitudes praticadas neste gênero muito executado e até hoje de pouco reconhecimento. Cyro me contou que os textos do Amanuense Belmiro eram muito trabalhados: ele suava pra compô-los. Chegou a brincar confessando que às vezes sentia dor no braço esquerdo, como se estivesse com o início de um infarto. Tal confissão tinha muito a ver com a visão de literatura dos anos 60 e 70 em que o autor gostava de mostrar o trabalho formal de sua obra, muito embora o seu livro fosse de muito tempo antes.
E no decorrer da conversa surgiu a outra atitude diante da crônica. Cyro afirmou que nunca viu alguém com tanta facilidade pra fazê-la quanto Drummond. Eles tinham sido colegas no Diário de Minas. Drummond sentava-se à mesa de redação e preparava rapidamente o texto. Talvez pela urgência de entregar a matéria pra publicação. O fato é que, mesmo com tal pressa, ele apresentava a mesma qualidade de seu colega.
Bem, foi uma conversa que durou quase uma tarde. Eu quis na ocasião seguir a posição desse grande romancista. Trabalhar, trabalhar, trabalhar a linguagem até a última palavra. Mas, hoje, prefiro deixar a crônica ser a pouco e pouco feita. Vou refazendo à medida que escrevo. Ao final, dou um retoque nela e me dou por satisfeito. Mas nem sempre isto ocorre. Às vezes a máquina emperra e passo mais tempo reescrevendo algumas partes.
Nos meus vinte e poucos anos, mas poucos mesmo, entrei na editora Civilização Brasileira pra falar com o editor de sua revista, e já meu amigo, o Moacyr Félix. Era uma sexta-feira ao final da tarde, hora em que muita gente se prepara pra experimentar a tal antevéspera prazerosa (ou molecamente prazerosa) do sábado. Cheguei apressado, a editora meio vazia. Mesmo assim topei na escada com um senhor que me olhou sério e delicado e me explicou que Moacyr já tinha ido embora mas que, se quisesse, ele bem podia me atender.
Agradeci, troquei palavras com ele, que era homem de pouca fala, muito embora atencioso e delicado. Logo no primeiro minuto olhei bem pra sua fisionomia e reconheci estar conversando com Mário da Silva Brito, esse nome de muita significação em nosso Modernismo e uma de nossas grandes fontes de saber sobre esse movimento que mexeu com a literatura nacional. Eu sabia que diante de mim estava o autor da História do Modernismo Brasileiro. Um dos maiores estudiosos dessa tendência literária, senão o maior de todos.
Então me despedi embevecido e prometi que voltaria outras vezes não só pra falar com Moacyr. Em outra oportunidade iria perguntar àquele mestre sobre a obra de Mário de Andrade, saberia ainda como era Oswald de Andrade, se é que o conhecera, e outros detalhes que me preocupavam porque na ocasião já tinha coluna de livros em jornal.
Desejei perguntar a ele como fazia aquelas frases criativas que eu conhecia, pois Ivan Junqueira já me falara delas. É dele o seguinte pensamento: "Envelhecer é cansar-se de si mesmo". Bem interessante e real. Essa frase me acompanhou naquele início de mocidade, ainda que de velhice conhecesse muito pouco mas ela me mostrou que o envelhecimento era mais um estado de nosso íntimo. Eu já havia lido o De Senectute, e isto, cá pra nós, não era o suficiente pra que um menino se tornasse doutor no assunto.
Cheguei a vê-lo outras vezes na editora, e sempre ocupado com seus negócios. João Antônio me dizia quando não conseguia permissão de Moacyr pra publicar na revista: "Fala com o Mário, ele te ajuda. Se quiser, eu posso falar".
Sempre o considerei um escritor muito econômico com as palavras. Isso tornava ágil e bem leve o seu texto. Ele, posso dizer, que foi por isso um de meus exemplos de escritor maior. Machado, Drummond, Jorge de Lima e bebendo na linguagem de Fausto Cunha, todos esses e mais um pequeno tanto foram autores que li, reli. E releio. Sempre que releio Mário da Silva Brito e outras grandes influências, vou descobrindo detalhes que acrescento ao que escrevo pra poder chegar um pouco perto deles. Só um pouco, e está muito bom.
Quem pode admitir que um veículo democrático, como o Facebook, vá invadir a privacidade dos seus usuários? A primeira coisa que me passa pela cabeça: invadir!!!? Mais: e cometer esse erro grave em nome de quem? De qual órgão repressor? Se algum devasso invade o meu espaço no Face é porque está agindo como censor. Isso é típico de um governo autoritário, que só vai permitir informação, caso esta beneficie o próprio governo.
O órgão que aceita uma atitude dessas não gosta de democracia, e sim daquilo que é imposto, sem qualquer possibilidade de discussão. É um órgão que apoia golpes de estado. O Face que sempre andou de portas abertas não vai aceitar que se faça um AI5 da informação. Seria o fim da comunicação aberta com seus milhões de usuários.
Espero que esta notícia seja um boato, um hiperfake. Uma brincadeira de malíssimo gosto. Só pode. O Brasil passou por um golpe institucional em 2016, teve e vem tendo a vida cultural reprimida e um governo que dá as costas aos anseios populares. Será que isso não basta?
Que se respeite o Marco Civil! Este garante a liberdade de expressão e a transmissão de conhecimentos. Ainda bem que temos essa lei ultraflexível e que protege a nós. Afinal, além de acolher democraticamente, ela impõe do mesmo modo obrigações de responsabilidade a seus usuários.
Que fim de privacidade? Que é isso? Eu quero o uso democrático da palavra, das ações e das imagens. O resto é pura balela.
Fui tomando consciência dos problemas de meu país e me desliguei de vez da crença religiosa. Na verdade, bem antes, a partir dos onze, doze anos já não me envolvia com religião. Apesar disso, aprendi a respeitar o padre ou qualquer religioso de outro credo que se envolvesse com os problemas do povo. Por isso, e também por influência de um primo marxista, comecei a admirar um bispo catalão que chegou ao Brasil em 1968. Dom Pedro Casaldáliga.
Religioso que em toda a sua vida no interior do Brasil tem se identificado com os indígenas e os camponeses. Ele não prega só pra classe média ou desta pra cima. Não é aquele pregador manso dos centros urbanos, distante dos problemas sociais maiores, e que encara burocraticamente o seu credo. Não. Ficou conhecido por defender os direitos humanos. Um bispo de alta extração cultural que vestiu as sandálias pra servir ao irmão mais carente. Tem lutado pela Amazônia. Ficou conhecido como o bispo do povo. Um bispo de visão atualíssima. Adepto da Teologia da Libertação. Ele apoiou a Revolução Cubana. E tão importante quanto, fugiu da ditadura de Franco. Acha que cada igreja tem a sua importância, em vez de estar subordinada ao Vaticano. Outra posição interessantíssima: ele aceitou a ordenação de mulheres e foi contra o celibato sacerdotal. Dom Pedro Cadaldáliga é um religioso com a mesma importância que Dom Hélder Câmara, Dom Paulo Evaristo Arns e o Padre Júlio Lancelotti.
Um lema seu, conhecido dos fiéis: "nada possuir, nada carregar, nada pedir, nada calar e, sobretudo, nada matar". É claro que com esses valores o bispo do povo foi alvo de muitas ameaças de morte. E quem está por trás de tais ameaças? Os grandes prorietários rurais e os amigos da "democracia" aparente.
Ele vem lutando a vida inteira pelos mais humildes mas, ao mesmo tempo, tem vida intelectual ativa. É poeta e publicou também obras de antropologia, sociologia e ecologia.
É um cristão que deveria ser imitado. Seu exemplo deve ser bem seguido pra mostrar como alguns padres e pastores, por exemplo, devem proceder pra serem universais em sua fé e se livrarem da acomodação.
Fotograma do filme Apocalypse Now, de Coppola |
Milo Manara - Enfermeira Envie sua participação sobre o tema "Erotismo e saúde" para o Blog da TextoTerritório. Milo Manara - Nã...