Salvador Dali
Lama
O conluio entre as empresas
estrangeiras de mineração e o poder público no Brasil vem de longa data; mais
precisamente a partir do momento em que elas foram privatizadas o descalabro
atingiu as raias da inconsequência e da irresponsabilidade. Provam-no os
desastres de Mariana e o de Brumadinho. Além da dor de vermos corpos
soterrados, a medida exata do descalabro se fará sentir ao longo dos anos,
silenciosamente, com a morte dos rios, com a impossibilidade de sobrevivência
dos que deles dependiam.
Os desastres anunciados foram
solene e criminosamente “esquecidos” por aqueles que deveriam ter a
responsabilidade de agir, coibir, vigiar e impedir que voltassem acontecer. As
poucas ou nenhuma ação contra as empresas gera nelas a percepção de impunidade
e por isso fazem da terra seu quintal, das pessoas seus gado, da mesma forma
como o sistema financeiro e bancário nos espolia e escraviza.
As pessoas choram, de desesperam
com as imagens imediatas, depois passa; faz parte do cinismo social e
midiático. A vida é assim, e o homem o construtor fajuto dessa engrenagem. Os
parcos meios construídos ao longo da história brasileira, afim de que esses
desastres fossem banidos, ao gosto dos governos são por vezes fortalecidos, por
vezes enfraquecidos. As pessoas designadas para gerir os trabalhos de
preservação obedecem a ordens e as cumprem por não quererem ver o emprego e o
salário se evaporarem no ar. São coniventes, em última instância.
Quando o Estado anuncia – para
quem quiser ouvir – os leitores na atual conjuntura são poucos – que se cobra
multa demais, que se dá poder demais aos órgãos reguladores, quando estinguem
ou reduzem tais órgãos, já não se trata de conivência, mas de ação criminosa. E
não adianta a retórica mesminheira das condolências, do voltar atrás apressado
e para inglês ver, sabe-se que, com a visão que impera no Brasil hoje, tais
fatos serão novamente esquecidos.
A irresponsabilidade é tal que se
anuncia o extermínio das aldeias indígenas, dos quilombos, da agricultura
familiar e dos movimentos de luta por direito a terra e a moradia. Os cidadãos,
relegados à existência como coisa, veem passivamente o bloco de sujos passar,
quando não tomam parte dele e se deleitam com o que acham ser desgraça do
outro, sem saberem que os próximos desgraçados serão eles mesmos.
O desastre de Brumadinho e o
desastre de Mariana funcionam como insight da passividade, comandada pelo
sentimentalismo boboca da grande mídia, dos olhos arregalados dos repórteres da
hora. Fingem fazer jornalismo e tergiversam na cobrança efetiva dos culpados,
fingem fazer jornalismo e oferecem circo em que o palhaço é o distinto público.
O desastre, enfim, tomado como tragédia, trai
na origem da linguagem a farsa e como farsa as notícias se propagam impedindo
que o trágico se desenvolva e perdure como consciência do reconhecimento
político do corpo social. A diferença entre as duas denominações está em que se
toma por trágico o acontecimento que permite vivenciá-lo como uma ação última
de consequências funestas ou prazenteiras, mas que leva à ação política; o que
se toma por desastre atinge tão somente as dores passageiras e relegadas ao
esquecimento sem que leve os indivíduas de uma nação, de uma tribo, de um
ajuntamento humano, a agir.
O conluio, portanto, se mostra
muito mais eficaz, quando dele extraímos os significados ocultos e a
denominação correta de seus atos.
Um comentário:
Este texto se articula muito bem com este outro aqui: https://textoterritorio.blogspot.com/2018/11/para-tornar-legivel-o-desconforto.html
Vale conferir.
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