quarta-feira, 23 de junho de 2021

A literatura contemporânea - de como a poesia deu no que deu, Oswaldo Martins e Alexandre Faria

 
Homero, Dante e Camões
 
A literatura contemporânea sofre de certa, senão absoluta, incapacidade de pensar-se criticamente. Desde que refluiu para os espaços da mídia, dela se alimenta num processo de mimetismo que aponta para a repetição ou da palavra de ordem ou da inflexão mais banal do senso comum.

Na cena da poesia contemporânea, por exemplo, pululam casimirinhos em torno de neobilacs de araque. Todos parecem ter trocado o paletó no encosto das cadeiras vazias das repartições públicas dos ministérios mil pelas cátedras das faculdades de Letras do país, mas nunca largaram o osso do corolário coralina, pé na cozinha da auto-ajuda. Não ultrapassam a facilidade do romantismo frágil, seja viajando em torno do próprio umbigo, seja ecoando protestos que retroalimentam o status quo.
Acompanha-a a crítica bem-posta dos senhores do gosto ou do desgosto. Alguns, também assentados nas bancas de avaliação de teses e dissertações insuspeitas ou nas mesas de congressos com suas conferências do bom mocismo, outros nas colunas mal-pagas dos suplementos falidos. mas bem pagos, outros, ainda, apreciam indiferentemente o novo e o velho em blogs e vídeos, resenhistas cuja caridade põe no chinelo qualquer madre Teresa. Todos adeptos da máxima fale bem ou não fale nada.

Desgosta-nos essa atitude, como de resto a estranha capacidade de produzir jargões de casta, que uma e outra possuem. É chegado o momento de uma declaração formal de guerra. Dizia o Mário de Andrade, fu fora o bom burguês, Dizemos nós, fu fora o bom poeta, cheio de adiposidades verbais. Deixem-nas para as escritoras e escritores televisivos e sua inoperância de ideias. Deixem-nas para os escritores e escritoras internéticos e sua autocomplacência de rimbauds indignados. Chega de Clubes do Bolinha e de Clubes da Luluzinha, senão daqui a pouco deverão estar escolhendo entre o rosa e o azul da senhora Damares.

A crítica elege, os eleitos agradecem a crítica que elegem. Ciranda, cirandinha, vamos todos cirandar? Não. A recusa a esta postura pede pedras na própria vidraça. Não há poesia sem que alguém jogue as pedras do inconformismo e diga isso não é assim. Tem de se fazer um esforço maior, uma ruptura maior, uma inadequação qualquer que seja repudiada, odiada, rejeitada. O poeta e sua crítica precisam ouvir não meias verdades, mas sofrer um direto no queixo, que os deixe sem ação, prostrados no chão das palavras, para que possam desenvolver com astúcia e audácia sua poesia.

O inconformismo existencial ou político não funciona sem o inconformismo poético e, para que se o conquiste, a manha e a técnica, a sintaxe e sua derrisão, a palavra e seu suor, devem afastar – como o diabo da cruz – o umbigo do poeta que busca traduzir-se, não só como modelo a ser seguido, mas fundamentalmente como poeta de que se deva fugir, sob pena de não alcançar a arte. Entre todo mundo e mundo sem fundo, a ingênua crença nas equações que só disseminam iniquidades. A inexperiência virgem desconhece que o buraco é muito mais embaixo do que leva a crer a fantasia de um mundo dividido entre bons e maus. E se o inconformismo poético não garante o texto, será fajuto o inconformismo existencial ou político. 

É dessa forma que, embora pareçam defender o contrário, os escritores e seus críticos, em suas relações afetivas, nada deixam a desejar à corja de corruptos das capitanias hereditárias brasileiras, todos ilustres doutores de jaleco, de toga, de batina. Nesta deriva os inconformismos todos só alcançam seu lugar se não se ativerem à palavra que a crítica ou o senso comum espera deles. Desdobra-se, por isso, a rejeição à certa crítica que busca em si o direcionismo, a eleição de uma forma, de um conteúdo, razão pela qual se faz a mesura de uma leve passada de mão na cabeça. Antes fosse na bunda, seria mais realista e proveitoso.

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