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Dora Ribeiro nasceu em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, em 1960. Publicou os livros de poemas Ladrilho de palavras (coedição com Lélia Rita Figueiredo Ribeiro, 1984); Começar e o fim (Fundação Catarinense de Cultura, 1990); Bicho do mato (7Letras, 2000); Taquara rachada (7Letras, 2002) e O poeta não existe (Angelus Novus-Cotovia, Portugal, 2005); A teoria do jardim (Companhia das Letras, 2009); e Olho empírico (Babel, 2011). Viveu em Lisboa e em Pequim e atualmente mora em São Paulo.
Leia a seguir uma seleção de poemas escolhidos pelos Editores da TextoTerritório.
1
O beijo
faço de conta de cansaço
amarro as
franjas
cintilo os braços
escureço os olhos
e
despenco
2
o estalar da
beleza
é o exemplo do fortuito
aos olhos pacientes de quem
julga a invenção
mas a invenção não existe
penas
incansáveis escrevem longos poemas
indolentes
mas a
invenção não existe
começar é tão perto do fim
a
mesma vertigem
a mesma vontade de catalogar sentidos
3
o poeta não existe
Fora a
vulgaridade se amontoa em histórias originais
o poeta não
existe
coisa do nada
inimigo dos vizinhos
e de
todos desejos com nome
ele sabe que inexiste
por isso
frequenta a poesia
4
Amor à
paisana
suba e desça uma paisagem inteira
componha
versos à beira d’água
mergulhe cinzas num balde de
almas
enlouqueça as ideias mais estáveis
e
antes de descansar
meça a intensidade
do
rosto que ficou
e da força que te puxa
para o centro do
mundo
5
Lisboa anoitece
cheia
de cor
numa suavidade exemplar
e
musical
o
seu rosto empalidece
devagar
apagando
sem
atropelos
as marcas do dia
só em Lisboa
o corpo
do dia
avança assim
sem pressa
para a noite
6
Para uma fotografia de
Sebastião Salgado
As tuas mãos colhem chá
em
Ruanda
elas estão murchas
e pobres
secas
as
folhas
queimam
tudo
e
os meus olhos 6 Alexandre
Trajano
7
Para uma fotografia de
Alvarez Bravo
Muchacha viendo pajaros
Ela está
só
Os seus olhos estão colados no céu
Procuram
pássaros
E nada esperam em troca
8
Rir
do tempo
das coisas bestas e caducas
e dos filós
azedos
rir da chuva
e das ideias masculinas
rir
do mundo
e do que ainda falta
deixar salgar o sexo
e
depois rir novamente
das letras mortas
9
O
casamento perfeito
tem rede lavada
para dormir no ar
coisa
afastada do chão
longe dos modos
e dos
contrários
prudente mesmo
é uma altura até a
cabeça
perto do vice-versa
para ali se cultivar todo
o
gênero de menções
de fome e sede Danielle
Cristina
10
Trepar pelas paredes
é
bom para chagas velhas
serve de sabão
e de boa
mezinha
para ventosidades de
toda ordem
dá
também para
feridas frescas
porque tira as opilações
são
único remédio
para as câmaras de sangue
11
Quinhentos anos
pacheco
pereira viajou cego
e deixou órfã
a história dos
caminhos
não sei de nenhum vento
que me leve ao
brasil
mas conheço o gosto
da blasfêmia diária
Alessandra Martins
12
ou delfos
ou
mulheres proféticas
nascem do perfume
que
sai da terra
florescem no gás inebriante
servido
fora do sexo
para ver as coisas
do mundo e da guerra
o
transe oracular
cresce na fenda da rocha
e só depois
de
tomado o corpo feminino
falam os deusas
13
Equação euclidiana
O
serão sou eu
E a cada passo
Nas lendas do rosa
Ficam
mais distantes
As existências fixas
O sertão sou
eu
A estrada precária
E as nossas histórias de
Antúrios
vermelhos
14
O meu rosto e o
teu cinema
São matéria do mesmo
Manifesto
Da mesma
hora precária
Carregam dúvidas
E escrevem com
Os
mesmos sinais a
Paisagem do erro.
15
dependo
do
silêncio passante
como o
desvio
do seu
líquido
esse jeito de
crescer na corda
agitando
as negações
durante tudo
um exercício
de
preciosos corredores
e canoas imóveis
sem apuro
e
precisão
apenas
alimentoso Ana Chiara
16
o
nome disto & daquilo
meu
sangue
escravocrata
ainda parece verde
feliz nos olhos
e nas
imagens
desperta em cacos
e vai ganhoso na
direção
da tarde
silenciando a mão
que fabula a terra
muitas
vezes
decapitado
rasteja na chuva
e não se deixa
afogar
paciente e
condecorado
vera
cratera
estelar
que ainda
uso como céu
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