sexta-feira, 24 de junho de 2022

Breve antologia de Dora Ribeiro

Assista também no YouTube nossa leitura coletiva

Dora Ribeiro nasceu em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, em 1960. Publicou os livros de poemas Ladrilho de palavras (coedição com Lélia Rita Figueiredo Ribeiro, 1984); Começar e o fim (Fundação Catarinense de Cultura, 1990); Bicho do mato (7Letras, 2000); Taquara rachada (7Letras, 2002) e O poeta não existe (Angelus Novus-Cotovia, Portugal, 2005); A teoria do jardim (Companhia das Letras, 2009); e Olho empírico (Babel, 2011). Viveu em Lisboa e em Pequim e atualmente mora em São Paulo.

Leia a seguir uma seleção de poemas escolhidos pelos Editores da TextoTerritório.


1

O beijo

faço de conta de cansaço
amarro as franjas
cintilo os braços
escureço os olhos
e
despenco 


2

o estalar da beleza
é o exemplo do fortuito
aos olhos pacientes de quem julga a invenção

mas a invenção não existe

penas incansáveis escrevem longos poemas
indolentes

mas a invenção não existe

começar é tão perto do fim
a mesma vertigem
a mesma vontade de catalogar sentidos

 

3

o poeta não existe

Fora a vulgaridade se amontoa em histórias originais

o poeta não existe

coisa do nada
inimigo dos vizinhos
e de todos desejos com nome

ele sabe que inexiste
por isso frequenta a poesia

4

Amor à paisana

suba e desça uma paisagem inteira
componha versos à beira d’água
mergulhe cinzas num balde de
almas

enlouqueça as ideias mais estáveis

e
antes de descansar
meça a intensidade
do rosto que ficou
e da força que te puxa
para o centro do mundo 

 

5

Lisboa anoitece
cheia de cor
numa suavidade exemplar
e
musical

o seu rosto empalidece
devagar
apagando
sem atropelos
as marcas do dia

só em Lisboa
o corpo do dia
avança assim
sem pressa
para a noite
 

 

6

Para uma fotografia de Sebastião Salgado

As tuas mãos colhem chá
em Ruanda
elas estão murchas
e pobres

secas
as folhas
queimam
tudo
e
os meus olhos 6 Alexandre Trajano



7

Para uma fotografia de Alvarez Bravo

Muchacha viendo pajaros

Ela está só
Os seus olhos estão colados no céu

Procuram pássaros
E nada esperam em troca 

 

8

Rir do tempo
das coisas bestas e caducas
e dos filós azedos

rir da chuva
e das ideias masculinas

rir do mundo
e do que ainda falta

deixar salgar o sexo
e depois rir novamente
das letras mortas 


9

O casamento perfeito
tem rede lavada
para dormir no ar

coisa afastada do chão
longe dos modos
e dos contrários

prudente mesmo
é uma altura até a cabeça
perto do vice-versa
para ali se cultivar todo
o gênero de menções
de fome e sede Danielle Cristina


10

Trepar pelas paredes
é bom para chagas velhas

serve de sabão
e de boa mezinha
para ventosidades de
toda ordem

dá também para
feridas frescas
porque tira as opilações

são único remédio
para as câmaras de sangue


11

Quinhentos anos

pacheco pereira viajou cego
e deixou órfã
a história dos caminhos

não sei de nenhum vento
que me leve ao brasil
mas conheço o gosto
da blasfêmia diária Alessandra Martins


12


ou delfos ou

mulheres proféticas
nascem do perfume
que sai da terra

florescem no gás inebriante
servido fora do sexo
para ver as coisas
do mundo e da guerra

o transe oracular
cresce na fenda da rocha
e só depois
de tomado o corpo feminino
falam os deusas

13

Equação euclidiana

O serão sou eu
E a cada passo
Nas lendas do rosa
Ficam mais distantes
As existências fixas

O sertão sou eu
A estrada precária
E as nossas histórias de
Antúrios vermelhos 

 

14

O meu rosto e o teu cinema
São matéria do mesmo
Manifesto
Da mesma hora precária

Carregam dúvidas
E escrevem com
Os mesmos sinais a
Paisagem do erro.

15

dependo do
silêncio passante
como o
desvio
do seu líquido

esse jeito de
crescer na corda
agitando as negações
durante tudo

um exercício
de preciosos corredores
e canoas imóveis
sem apuro
e precisão

apenas
alimentoso Ana Chiara


16

o nome disto & daquilo

meu
sangue escravocrata
ainda parece verde
feliz nos olhos
e nas imagens

desperta em cacos
e vai ganhoso na
direção da tarde
silenciando a mão
que fabula a terra

muitas vezes
decapitado
rasteja na chuva
e não se deixa
afogar

paciente e
condecorado
vera cratera
estelar
que ainda
uso como céu


Nenhum comentário:

Convocatória

Envie seu texto para Blog da TextoTerritório - "Erotismo e saúde"

  Milo Manara - Enfermeira Envie sua participação sobre o tema "Erotismo e saúde" para o Blog da TextoTerritório. Milo Manara - Nã...