Poética
Passamos muitos anos em silêncio,
como se a chegada da democracia, e do PT ao poder, nos indicasse que atingíramos
o paraíso. Desmobilizamos nossas ações e ficamos no dia a dia a cuidar de nós
mesmos, com pontuais presenças aqui e ali, quando convocados, e se tanto.
Esquecemos que o paraíso não é o consumo, não é a possibilidade de nos
(des)conectarmos com o mundo. A função dos grandes eventos – para celebrar o
dia do trabalho e do trabalhador, por exemplo, cessou. O congraçamento com uma
classe, com os que consideramos a vanguarda da percepção de mundo pela qual
sempre lutamos, virou-se para o próprio umbigo. Bastava que disséssemos eu sou
e que se explodissem os outros.
Se o conservadorismo cristão (coloquemos
no mesmo saco os evangélicos, os pentecostais e os católicos) sempre forjou na
maioria da população, na imensa maioria pobre que a forma, a aceitação passiva
dos acontecimentos que buscaram domar seu desejo de dias menos duros. O passivo
social fundamentou o caminho para que os banqueiros, os grandes industriais, o
moderno capitalismo, representado pelo rentismo, se alinhassem ao que de mais retrógrado
existe no escopo social e golpeassem os desejos e a forma representativa deles,
que os anos petistas representaram.
Se a representação política que
hoje ecoa no Legislativo, no Executivo e no Judiciário é esta que se nos
apresenta, devemos sua existência à ação dos detentores do verdadeiro poder –
aquele que, invisível, nunca deixou de “velar” pelo destino da nação e de seus bolsos,
e que, ao longo da história, recebeu diversos nomes, Senhores, Doutores, Capitães
do Mato e de outras altas patentes. Pai dos pobres. Sebastião. Todos ocupaditos
em garantir para si o melhor quinhão à custa da escravização, da opressão dos
sindicatos, da tortura, do toma lá dá cá, e da mais maviosa fala humanista, que
finge cristianamente estar consciente da dor do outro, agindo às escondidas
para a manutenção da casa grande.
Passamos muitos anos em silêncio
e por esta razão fomos dominados e nossas conquistas desde a mais simples – o direito
a uma justiça do trabalho, regulamentada pelas leis, à mais densa, representada
pelo direito à segurança de podermos envelhecer com dignidade, foram destruídas.
A ação de destruição buscada, desde a vitória dos trabalhistas e das leis que
legaram certo conforto aos que no país puderam, mesmo na precariedade, ter a assertiva
das possibilidades a serem conquistadas com luta e altivez, se mostra aos nossos
olhos como derrota histórica. Daí a sensação de impotência – que deve ser
abandonada – e de inoperância que nos atinge.
O espírito de gangsters que nos envolve,
cuja mínima esmola é cobrada como proteção de milicianos, é o retrato dos dias
atuais, plantado na história desta Beócia a que damos o nome de Brasil. Por
esta razão devemos convocar as pessoas a lutar, seja nos ambientes que ainda
possam ser ocupados, seja nas ruas, junto aos miseráveis cujo número deve
aumentar e muito, seja no trabalho ordinário ou excepcional, seja convocando ações
através da música, do teatro, de educação, da poesia, da pintura mural, das manifestações
inconformadas.
Este é o motivo por que não
devemos introjetar a derrota e dela adoecer irremediavelmente.
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