quinta-feira, 11 de julho de 2019

Poética


Poética

Passamos muitos anos em silêncio, como se a chegada da democracia, e do PT ao poder, nos indicasse que atingíramos o paraíso. Desmobilizamos nossas ações e ficamos no dia a dia a cuidar de nós mesmos, com pontuais presenças aqui e ali, quando convocados, e se tanto. Esquecemos que o paraíso não é o consumo, não é a possibilidade de nos (des)conectarmos com o mundo. A função dos grandes eventos – para celebrar o dia do trabalho e do trabalhador, por exemplo, cessou. O congraçamento com uma classe, com os que consideramos a vanguarda da percepção de mundo pela qual sempre lutamos, virou-se para o próprio umbigo. Bastava que disséssemos eu sou e que se explodissem os outros.

Se o conservadorismo cristão (coloquemos no mesmo saco os evangélicos, os pentecostais e os católicos) sempre forjou na maioria da população, na imensa maioria pobre que a forma, a aceitação passiva dos acontecimentos que buscaram domar seu desejo de dias menos duros. O passivo social fundamentou o caminho para que os banqueiros, os grandes industriais, o moderno capitalismo, representado pelo rentismo, se alinhassem ao que de mais retrógrado existe no escopo social e golpeassem os desejos e a forma representativa deles, que os anos petistas representaram.

Se a representação política que hoje ecoa no Legislativo, no Executivo e no Judiciário é esta que se nos apresenta, devemos sua existência à ação dos detentores do verdadeiro poder – aquele que, invisível, nunca deixou de “velar” pelo destino da nação e de seus bolsos, e que, ao longo da história, recebeu diversos nomes, Senhores, Doutores, Capitães do Mato e de outras altas patentes. Pai dos pobres. Sebastião. Todos ocupaditos em garantir para si o melhor quinhão à custa da escravização, da opressão dos sindicatos, da tortura, do toma lá dá cá, e da mais maviosa fala humanista, que finge cristianamente estar consciente da dor do outro, agindo às escondidas para a manutenção da casa grande.

Passamos muitos anos em silêncio e por esta razão fomos dominados e nossas conquistas desde a mais simples – o direito a uma justiça do trabalho, regulamentada pelas leis, à mais densa, representada pelo direito à segurança de podermos envelhecer com dignidade, foram destruídas. A ação de destruição buscada, desde a vitória dos trabalhistas e das leis que legaram certo conforto aos que no país puderam, mesmo na precariedade, ter a assertiva das possibilidades a serem conquistadas com luta e altivez, se mostra aos nossos olhos como derrota histórica. Daí a sensação de impotência – que deve ser abandonada – e de inoperância que nos atinge.

O espírito de gangsters que nos envolve, cuja mínima esmola é cobrada como proteção de milicianos, é o retrato dos dias atuais, plantado na história desta Beócia a que damos o nome de Brasil. Por esta razão devemos convocar as pessoas a lutar, seja nos ambientes que ainda possam ser ocupados, seja nas ruas, junto aos miseráveis cujo número deve aumentar e muito, seja no trabalho ordinário ou excepcional, seja convocando ações através da música, do teatro, de educação, da poesia, da pintura mural, das manifestações inconformadas.

Este é o motivo por que não devemos introjetar a derrota e dela adoecer irremediavelmente.



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