domingo, 5 de julho de 2020

A Pessoa Mais Feliz, por Carlos Augusto Corrêa

A Pessoa Mais Feliz 

Carlos Augusto Corrêa

Almeida Junior



Foi tão bom aquele instante. Ora, há quantos anos aconteceu, e ele é bem vivo. Eu precisava naquele dia de algo e caminhava pela Atlântica em meio àquela multidão de pernas.

Foi quando passei por uma mulher cinquentona, as faces bem marcadas. Ela me acenou com um sorriso pedindo um outro. Retribuí e não sei o motivo de meu ato seguinte, mas me sentei no chão junto a ela. E de imediato aquela senhora foi delicadamente me pedindo que não me sentisse derrotado. Por que esse olhar triste, moço? Foi logo falando, a vida é a gente que faz. Se você soubesse a minha história, estaria arrasado. Perdi três filhos no tráfico, meu homem matou os assassinos e está sumido faz tanto tempo. Me senti só de não conseguir ver ninguém mesmo quando estava numa avenida cheia de gente.

Foi aí que encontrei força pra sentir que se não reagisse a vida ia cair em cima de mim. Então passei a querer fazer alguma coisa pra me levantar. Consegui um tabuleiro e fui vender mangas. De tanto vender, me animei a comprar maçãs em um supermermercado lá perto de casa e também pus no meu tabuleiro. E assim, de tantinho em tantinho, fui comendo melhor e consegui morar numa vaga de um barraco lá no morro da Mangueira. Cê sabe de uma coisa? Essa vaga foi a minha vitória. Aliás, o início dela. Comecei a lavar roupa, a faxinar. Não quero sair dessa vaga. Ela é o bastante pra eu dar esse sorriso aqui (e sorriu bem aberto). Comprei uma mesinha pra pôr minhas coisas de mulher e o que eu queria mais. Não quero sair dela tão cedo. A senhora que me abriu a vaga está velhinha. Precisa de mim.

Sabe, moço, voltei a ter a minha palavra forte. Só não tenho mais meus filhos nem meu homem. Em compensação voltei a ter aquela garra, a vontade de estar em pé. Isso é tudo. Estou sentada aqui no chão por costume mesmo. Pode crer, filho, eu estou em pé. Sempre! E enrijeceu o braço direito fechando os dedos.

Fiquei atento, fora invadido por aquela onda de palavras secas e estimulantes. Ela continuou. Moço, cê, novinho como é, não sabe o que é ficar no chão e depois ter muita força pra se levantar. Não tem motivo pra ficar assim. O que está sentindo é um por cento do que passei. Tem mais é que caminhar forte por aí até encontrar o seu caminho.

Sinceramente, lembro que saí com um fôlego outro. Não me senti como se estivesse ouvindo a cítara de Orfeu. Sem esse exagero. Eu me sentara com uma mulher de passado tão doído e naqueles muitos minutos e depois também me senti a pessoa mais feliz daquela avenida povoada.

Um comentário:

Unknown disse...

A imagem se casou inteiramdnte com o texto. Adorei.

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