domingo, 4 de outubro de 2020

Chão da Praça - Carlos Augusto Corrêa


 

Chão de Praça 

Carlos Augusto Corrêa 


O Rio de Ontem 


Tudo quanto diz respeito ao Rio e a Vila Isabel me toca. Sou carioca que não sai do Rio há quase trinta anos. Tenho a Vila e a Lapa, a Ilha e o Lido, o Rio todo entranhado na veia. 

Recebi e-mail de meu amigo José Srur com um resumo sobre o Rio de ontem, que lhe fora enviado por Roberto Marcelo Ferreira. Li, reli, pentali o resumo e me transportei pra aquela época. 

Tempo do lotação, lembram?, do bonde que me levava ao Colégio de São Bento, e que um dia causou a morte de um amigo de infância que ficou preso na armação do veículo e foi batendo com a cabeça no asfalto.

Tempo em que cinema tinha sessão das duas, quatro, seis, oito, dez. Depois do filme ali na Saens Pena, a gente entrava no Palheta e sorvia o cafezinho que se tornou conhecido em toda a cidade.

O telefone era preto e grande, de aspecto abrutalhado, quase cobria o ouvido. Mas foi com ele que fiz minha primeira declaração "in love", e com palavras ingênuas, ingenuinhas mesmo, porém com um encanto de menino que adorava. 

Fumar na ocasião trazia pra muitos bem-estar e pra outros tantos prejudicava. Lá se fumava Continental, Hollywood. E o Minister e o Marlboro? Nomes exóticos, sinônimos de status. Era elegante na esquina junto com os amigos de sempre tirar do bolso o isqueiro Zippo e fumar. 

Aos sábados e domingos, a zona norte e o subúrbio iam pra Copa ou Ipanema se bronzear e à noite se desfilava pelas ruas principais do bairro com a carinha queimada. Um colega na ocasião confessou que no ônibus punha a cara junto à janela pra pegar sol. Andar bronzeado era um modo de se sentir um perfeito zona sul. 

Quem não se lembra da bala toffee, do drops Dulcora? O baleiro do cinema vendia também mentex, enquanto o lanterninha que facilitava a passagem das pessoas também vigiava os casaizinhos. Uma vez me atrapalhou o flerte com uma meninete que pegara na Cinelândia. Quando a gente começava o ritual, lá vinha ele. 

Avião era da Vasp, Cruzeiro do Sul. E um dos jingles cantava no final do ano: "Estrela brasileira no céu azul, iluminando de norte a sul..." 

As quadras de futebol de salão, os piqueniques em Paquetá e na Barra da Tijuca, um Fla-Flu incandescente, os Festivais da Canção, os filmes do cinema novo no Paissandu, a bossa-nova, a geração de 68 rompendo hábitos. A gente não mais queria namorar só até as dez da noite e na porta da casa dela.

Srur foi muito feliz ao me enviar esse e-mail e me despertou uma ponta, muito inha mesmo, de saudade. Sinceramenre, não queria mais esse tempo de volta. Desejava ao menos que voltasse uma e duas vezes ao ano. É sempre bom se fortalecer com o passado e em seguida se olhar o presente com mais amplitude e partir lúcido pro amanhã.

Um comentário:

Unknown disse...

Fico emocionado lendo o texo. Eu mecdeixo levar àquela época.

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