O prazer de Tião
Carlos Augusto Corrêa
Antal Strohmayer, O Jardim dos filósofos, 1834. |
Leiam essa. Conversava com o Tião, um bom malandro que conheci naquele pedaço entre os Arcos da Lapa e a Cinelândia.
- Tião, quer dizer que só teve dois empreguinhos na mocidade?
- Carlitos (os olhos arregalados), trabalho dá muita dor. Eu com 78 só penso no prazer. Vivo do que me dão desde moço, e é uma delícia. Olhe só, aqui tenho onde tomar banho, não tenho cheiro, a barriga (e deu dois tapinhas nela) tá sempre cheia. Sempre, um gorozinho amigo.Tive dengue três vezes e fui medicado.
- Vejo sempre você comendo aqui no Passeio Público.
- Claro, quero lugar ventilado. Eu como quentinha que pego com os amigos e nesse lugar, enquanto como, penso na fome que estou matando. Que delícia! E depois que como, fico sentindo como é bom ter a comida dentro da pança.
- Claro.
- Mas ninguém para, Carlitos, pra sentir uma coisa pequena dessas. Já percebeu? Nego come pensando no que vai fazer daqui a pouco. É um prazer que essa gente não vê. O prazer está no corpo. Esse povo não sente assim.
- E dorme onde?
- Quando não chove, aí na beira-mar. Muito bom dormir ouvindo a onda bater e receber a brisinha na cara.
- Mas essa sensação você só sente no físico.
- Não, Carlitos. Esse prazer me deixa sossegado. O prazer da comida, do vento na carinha só vale se eu tenho paz. Eu tenho um amigo por aqui que é dessa opinião. Pra ele, o que come e bebe só dá prazer se ele tiver paz e sossego. A gente não gosta de sentir dor. E se ela vem, a rapaziada da farmácia ajuda e eu também me lembro das coisas boas que fiz.
- Deus está vendo a sua felicidade, Tião.
- Bom, se ele vê ou não vê, não sei. Sei que adoro essa vida sossegada. Não quero saber o que existe lá no mundo dos anjos.
- Certo, mas um dia a gente morre. Tem que pensar nisso.
- Não adianta pensar na morte. Isso só causa dor. Pra quê? A carcaça da gente envelhece, o espírito também. Um dia todo o mundo vai embora. Pronto.ão
- Que brisinha boa é essa?
- Aproveite, Carlitos, pra sentir como o rosto da gente fica macio quando venta. Já reparou? Não fique como todo o mundo, só pensando no que vai pagar e comprar.
Tião não me convenceu de que seu ritmo de vida é o ideal. Mas percebi que ele se sentia muito bem assim. Joguei no ar pra ele o seguinte:
- Você está morando no Jardim de Epicuro.
- Picu... o quê? Homem, cê não tá me levando a sério. Eu amo esse Passeio Público. Você, então, me leve até esse outro lugar aí, quero conhecer. Eu adoro um jardim com vento, comida e birita.
Um comentário:
A ilustração se casou com o texto. Beleza!
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