terça-feira, 31 de agosto de 2021

A janela do quarto, Roziane Custódio

Edward Hopper



        A  janela do quarto era o meu lugar preferido para observar as coisas que me agradavam, de maneira exagerada. Eu podia perceber até mesmo o tipo de  sentimentos das pessoas que passavam pela calçada , embora elas permanecessem  ocultas e silenciosas .
         Certo dia acordei, ansiosa para sentir o aroma do café da manhã, de ver as crianças preparando -- se para a escola, com seus livros nostálgicos, que me permitiam sonhar com a minha infância, tão colorida e divertida. Posicionei-- me na  janela, como de costume, porém percebi que uma névoa se formara, dando a impressão de que minha visão estava turva, quase  levando -- me ao desespero. Tentei fechar os olhos por alguns segundos, na esperança de compactuar com a alegria novamente, mas constatei que meus olhos haviam realmente me traído assim que os abri. Tentei segurar as lágrimas como forma de protesto àquela grande decepção, mas tinha a nítida sensação de que havia uma venda cobrindo os meus olhos, pois eles pareciam tão  pequenos .... tão inocentes , totalmente incapazes de ver o precipício que estava à minha frente, pronto para  roubar minha vida, de apagar meu passado, e sobretudo de transformar em escuridão a minha luz. 
         Eu ouvia muitos ruídos à minha volta, mas a névoa continuava a me perseguir, como se pressionasse cada vez mais os meus olhos. Estiquei a mão direita, com a certeza de que encontraria a venda e simplesmente a removeria, entretanto a frustração aumentou ainda mais, diante da impossibilidade de resolver tal situação. 
         Finalmente ouvi passos vindos da escada.Os passos eram  intensos e provocados  pelo salto alto, causando em mim uma mistura de medo e esperança,   apesar de não distinguir quem era aquela pessoa,  que quanto mais perto chegava, mais meu coração acelerava. 
           Ainda movida pelo pânico, tive a percepção de que haviam cessado os passos, dando lugar à  respiração um pouco cansada. Senti o toque quente da mão, que tentava consolar -- me, mas não podia ver a expressão do rosto, que provavelmente olhava fixamente nos meus olhos. Não resisti e dessa vez deixei que as lágrimas inundassem minha face, tomando a liberdade de jogar -- me em um forte abraço, que fora  correspondido de forma inesperada. Aquela mão tão gentil conduziu -- me até a porta e afastou -- se. A partir daquele momento percebi que embora os meus olhos não  alcancem a beleza da natureza, o rosto das pessoas que amo , ou até mesmo o meu  próprio rosto, ainda assim posso enxergar com meus  pequenos olhos, mas de uma outra maneira, talvez com os olhos do coração, onde a beleza é imaginária e as cores e formas são ilimitadas, porém mais valorizadas,  proporcionando a verdadeira felicidade!

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