domingo, 15 de agosto de 2021

Fragmento de Terra Presente, Carlos Augusto Corrêa


Sexta-feira:
a poesia lançou-se contra um cano
de descarga.
Ali houve descarga desse cano
fumaça entrou pela goela do moço
que um Volks (quanto berror!) arrastou
até carbonizá-lo.
Ainda emudecendo, a poesia
rejeita o mutilador.
Ela expele silêncio. Sarcasma.
A poesia bate em panelas,
e apesar do jeito de Gandhi
seu silêncio infecciona.
Os que arrastaram o moço até carbonizá-lo
saibam:
a poesia os mata. E sepultando-os no poema
ressuscita a ele -
o Stuart ou Angel, anjo em frangalhos,
que a palavra retoma
a caminho
de um sábado sem repouso.
 
pp.18 e 19
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Este foi um poema e um fragmento do livro sobre um fato que chocou a minha geração. O companheiro Stuart Angel fora brutalmente assassinado numa horrenda tortura, quando o puseram com a boca presa contra um cano de descarga e ele morreu sufocado e envenenado pela descarga do cano. Foi um dos acontecimentos mais brutais da ditadura brasileira dos anos 70.

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