segunda-feira, 23 de agosto de 2021

Trecho do romance Peito inflamado - uma histórioa de guerra, Fabiano Moreira Klatte

Capítulo XXIV – Encontro com os Americanos e Desfecho


As viaturas partiram, levantando fumaça e sumindo na estrada. Tudo ficou calmo, em silêncio. Um silêncio que talvez não fosse muito agradável para Leônidas, pois isso o faria pensar em coisas que ele havia decidido deixar para trás. Com o fuzil ao ombro pendurado pela bandoleira, Leônidas caminhou bem devagar, em silêncio, em meio às árvores do pátio do convento. Pássaros cantavam, nem parecia que estavam em guerra. Um cansaço pesava, e seus pensamentos o atormentavam. Dirigiu-se até a cozinha, onde uma freira alimentava um fogão a lenha. Clóvis estava sentado com outros militares, saboreando o café passado pela religiosa.
- Chega aí, tchê! Toma um café! – convida Clóvis.
A freira oferece:
- Aqui sargento, uma caneca para o senhor e açúcar! É tudo muito humilde, mas feito com muito amor!
-Sim...Claro...Com amor...É muita gentileza, obrigado. Mas essa palavra, irmã...amor... sei lá, parece que tem sido ignorada por toda parte onde eu ando... Vi muito sangue derramado, jovens com uma vida pela frente mutilados e sangrando até a morte, gritando pela mãe... A senhora acha que o amor ainda existe, irmã? – comenta Leônidas enquanto se senta devagar em uma cadeira de palha.
A freira responde:-Claro, sargento. Infelizmente são os homens que não sabem amar direito. Amam mais as coisas que as pessoas. Mas enquanto houver pessoas boas que ainda saibam amar e estejam dispostas a isso, haverá esperança.
- É... quem sabe... – exclama Leônidas olhando para o nada e bebericando o café. A freira diz:
- Sargento, o senhor parece cansado, vejo um peso em seus olhos. Pode escolher uma cama do alojamento e dormir um pouco se quiser. Como já dissemos, são bem vindos aqui. Seus soldados estão tomando conta, não estão? Descanse. Talvez Deus lhe dê respostas em seus sonhos.
Clóvis, sabendo dos dilemas do amigo e escutando a conversa, disse:
- Vai lá, loco veio. Dorme um pouco, eu tomo conta aqui. Qualquer coisa eu “prendo” o grito.
Leônidas responde:
-Tem razão. Estou um bagaço. Melhor deitar um pouco...
Leônidas foi para uma das celas (é como se chamam os quartos individuais das freiras), e foi ao banheiro lavar o rosto. Tossiu, cuspiu mais sangue, se lavou. Olhava-se no espelho, tentando entender tudo que estava acontecendo. Não se achava mais o mesmo, e uma ansiedade doía em seu peito. Seus olhos verdes estavam distantes, muito distantes... E pesados. Resolveu tirar as botas e deitou, com o fuzil ao lado e o cinto com pistola pendurado na cabeceira da cama. Os olhos fecharam sozinhos.
Logo abriram, pois Tábata estava chamando:
-Amor, vem logo! Vamos levar as crianças ao parque aquático! Vai ser legal!
E lá foram eles. Todos riam muito, sentavam à sombra e tomavam chimarrão.
Leônidas estava com sua velha bombacha e chinelo campeiro. Um amigo metido a assador preparava uma deliciosa costela de ovelha, pingando na brasa. Estavam em Cachoeira do Sul, de férias. Esdras gritava do alto de um tobogã:
- Olha pai! – e desce escorregando. Em seguida Leônidas escuta um clarim.
Ele olha na direção do som. De repente percebe que está fardado e equipado, pronto para o combate, fuzil nas mãos. O parque aquático, família e amigos vão ficando para trás, e diante dele surge algo como o vale da sombra da morte. Já não escuta mais os risos, agora vê um céu com nuvens negras, trovões e raios. Hordas inimigas avançam na sua direção, ele está cercado de uma verdadeira carnificina. Não vê escolha senão atirar, agora está com uma metralhadora MAG com uma longa fita de munição, semelhante ao que ele via nos filmes do Rambo quando era criança, e muitas granadas penduradas pelo corpo. Há casas incendiadas e cadáveres de soldados por quilômetros diante dele. Escuta uma voz que diz:
- Você não pode fugir de seu destino!
Então atira com tudo que tem, inimigos caem. Muito ao longe , no horizonte, vê uma luz. Algo como raios de sol descendo das nuvens. Só atravessando o vale poderia chegar lá. Ele escuta outra voz:
-Sargento, acorda sargento!
Leônidas toma um susto, e grita:
- AAH!! Meu Deus!!! Que foi???
- Calma sargento, sou eu, cabo Odair. Capitão-tenente Marques está no rádio, quer falar com o senhor.
- Tá... tá bom... Quanto tempo eu dormi, hein? – indaga Leônidas
- Mais de cinco horas, senhor. – responde o cabo.
- Bah, credo... Eu estava mesmo cansado...Tá, tô indo lá.
Levantou, lavou o rosto, se reequipou. Foi ver o que era. Clóvis estava lá, dizendo:
- Chega aí, “loco veio”. O capitão só quer falar contigo.
Leônidas pega o rádio:
- Líder, aqui chacal. Prossiga.
O oficial responde ao rádio em poucos minutos:
- Chacal, líder. Prepare seus homens, temos novas ordens. Retire todos daí e voltem para a praia. É só.
Leônidas responde:
- Ciente, será cumprido.
Em seguida, ele pede a seu fiel amigo Clóvis que aguarde, quer ir à capela um pouco, precisa ler a Bíblia e orar um pouco. Havia dias não fazia isso. Foi até à capela, sentou em um banco, havia uma Bíblia aberta sobre a guarda do banco da frente. Chamou-lhe a atenção por já estar aberta no Salmo mais conhecido do mundo, o Salmo 23.
Atentou sobretudo para a última parte, lendo em voz alta, que dizia:
...” e habitarei na casa do Senhor por longos dias.”
Nisso, ele escuta uma voz que dizia:
-Acredita nisso, meu filho? –era a madre que entrara na capela.
- Sim, apesar de tudo eu acredito sim. – responde Leônidas.
A madre responde:
- Então não há com que se preocupar, sargento. A vida não termina aqui. Vejo em seus olhos que está seguindo uma estrada. Há estradas que só nós podemos seguir. Deus nunca dá o fardo além da nossa capacidade, e Ele só escolhe as pessoas certas para as missões que Ele considera importantes. Quando chamou Davi para ser um grande rei, Davi não imaginava as coisas que estariam por vir. Mas mesmo assim confiou em Deus, venceu um gigante, tornou-se um grande guerreiro como o senhor e Deus deu tudo que ele mereceu. Independente do que aconteça, meu filho, vá em paz. Nosso Senhor nunca irá abandoná-lo, e não tenho dúvida que Deus pode torná-lo uma referência para outros homens. Vá em paz.
Leônidas respondeu:
-A senhora tem razão, madre. E espero que todas aqui fiquem bem, provavelmente outro pelotão , talvez da PM agora, venha para cá.
A madre disse:
- Não se preocupe, meu filho. Vamos ficar bem. – e se abraçaram.
Leônidas disse:
-Obrigado por sua hospitalidade, madre. Que Deus lhe pague!
Ela respondeu:
- Certamente Ele paga. Deus lhe abençoe, vão com Deus.
Na saída, a madre abençoou a todos, dizendo:
- Cuidem-se, rapazes. Que Deus Nosso Senhor os proteja, e São Miguel
Arcanjo os conduza nas batalhas!
As viaturas foram embora, com todos acenando. Algumas mulheres militares diziam:
- Nossa, adorei essas freiras, são tão fofas! – e riram.
Pelo caminho passaram por viaturas blindadas da PM, eram “caveirões”. Estavam indo para cuidar das freiras, acenaram e buzinaram. Do alto de um deles, segurando uma MAG, um policial militar de capacete preto e colete a prova de balas, com uma luva sem dedos, presta continência. Era a guerra seguindo seu ciclo natural.
(Peito Inflamado – Uma História de Guerra – )
ISBN: 978-65-00-25224-8
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS

2 comentários:

Fabiano Klatte disse...

Grato pela oportunidade de postarem o trecho do meu e-book!

Fabiano Klatte disse...

Bom dia! Grato pela oportunidade de postarem o trecho do meu e-book PEITO INFLAMADO-UMA HISTÓRIA DE GUERRA!

Convocatória

Envie seu texto para Blog da TextoTerritório - "Erotismo e saúde"

  Milo Manara - Enfermeira Envie sua participação sobre o tema "Erotismo e saúde" para o Blog da TextoTerritório. Milo Manara - Nã...