quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Matéria de Mauro Morais sobre I, de Alexandre Faria

Publicado originalmente em:
https://tribunademinas.com.br/noticias/cultura/17-02-2016/palavras-matematicas.html




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Palavras matemáticas

Alexandre Faria lê poemas do novo livro no Eco – Performances Poéticas nesta quinta, às 21h Onde estará a arte, senão no lugar da dúvida? “I” é assim: não se sabe a referência primordial do título, não se sabe onde começa, não se sabe dos elos antes do fim, não se sabe se vale ou […]

Por MAURO MORAIS

17/02/2016 às 07h00- Atualizada 17/02/2016 às 08h31

Alexandre Faria lê poemas do novo livro no Eco - Performances Poéticas nesta quinta, às 21h
Alexandre Faria lê poemas do novo livro no Eco – Performances Poéticas nesta quinta, às 21h

Onde estará a arte, senão no lugar da dúvida? “I” é assim: não se sabe a referência primordial do título, não se sabe onde começa, não se sabe dos elos antes do fim, não se sabe se vale ou não. Já na orelha, enquanto a preta, de um lado, tece loas à nova obra de Alexandre Faria, escritor e professor da Faculdade de Letras da UFJF, a outra, branca, reduz e denigre o trabalho. “Nele (no livro) há mistificação, falso intelectualismo e a infame pretensão de quem se pressupõe poeta incompreendido, que é a de fazer versos estéreis (e histéricos)”, bombardeia uma orelha. “Para além desses dois esoterismos, o da poesia oracular e o da literatura potencial, o que o livro propõe é um profunda e crítica reflexão sobre o lugar da poesia contemporânea”, defende a outra.


Onde estará a arte (e, principalmente, a deste autor, neste trabalho), senão no lugar da dúvida? Adotada a certeza de que vale seguir na leitura, o que se coloca diante do leitor é um exercício visual e, sobretudo, verbal. Por isso, Alexandre Faria prefere chamá-lo de objeto de arte verbal. “Resolvi limitar ao máximo minha intenção à materialidade, ao elemento construtivo”, explica o autor, justificando sua opção pela forma, sem excluir, com isso, a significação. “Inova jorra rege”, diz um verso.

Partindo do clássico chinês “I Ching”, Alexandre extrai palavras dos símbolos. “O objeto tenta interpretar o valor de cada trigrama. E são oito trigramas que fazem 64 hexagramas combinados. Os sinais de yin e yang, os traços inteiros e os cortados, pela tradição que li, são quantitativos, como uma contagem binária. O primeiro hexagrama, que é todo yin, é zero”, pontua, referindo-se aos desenhos utilizados como oráculos. “Meu interesse está sempre nas possibilidades e no limite da palavra”, diz.

O livro, que tem sua primeira leitura pública nesta quinta, durante o Eco – Performances Poéticas, às 21h, no Muzik, tem duas capas, duas formas de leitura, dois sentidos, como yin e yang. Segundo o autor, desses arquétipos compreendeu toda a obra chinesa como um binário de zero e um. “É um processo de análise combinatória. Tem uma alternância de nomes e verbos. Os nomes estão na posição de yin e os verbos na posição de yang. As vogais abertas estão na posição de yang e as fechadas, na de yin. Determinei previamente uma distribuição e fui procurando palavras que tinham os sentidos que eu queria dar, obedecendo uma regra.”

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Atento às palavras frouxas

Complexo, porém urgente. Pesquisador da literatura contemporânea, referência na universidade, Alexandre sai da zona de conforto, esgarça o texto e contribui. “Quis provocar um pouco, porque tenho visto contemporaneamente a palavra circulando de maneira muito frouxa, aí radicalizei para outro lado: procurei uma tradição extremamente formalista, mas sem ortodoxia. Um jogo para quem escreve e para quem vai ler”, comenta. “Não faço isso por conta da responsabilidade (como estudioso). É minha vibe, meu barato. Mas, também, uma tentativa de interagir, dialogar e provocar uma galera que vejo fazendo poesia.”

Em tempos de saraus, de periferias prolíficas e participativas, de textos que existem no ar e não na folha, “I”, o objeto, questiona o conceito de uma literatura tradicional sempre ligada à escrita. Faz arte verbal e privilegia o físico. “Tenho tentado fazer livros que não caberiam no Kindle. Se eu colocasse ‘I’ no Kindle só haveria um sentido de leitura e apenas uma capa. Busco a materialidade por conta do suporte digital. Publico muita coisa on-line, e não tenho vontade de reuni-los num livro, porque já estão reunidos no Google, é só clicar para pesquisar”, diz.

Um QR Code atrás das orelhas do livro transporta o leitor para um site onde está toda a matemática da obra, onde os poemas estão todos em números (ver as bordas da página). Para Alexandre, “o grande suporte para esse texto é a voz”, ainda que todo o recurso gráfico se configure sólido. “À medida em que vamos lendo, percebemos que o ritmo equivale ao yin e yang. Há uma divisão e uma acentuação diferente nas sílabas”, pontua ele, que defende, no encontro das palavras, na leitura integral, um significado maior. “É uma reflexão sobre a origem do cosmos, segundo arquétipos da tradição chinesa”, diz

Mesmo que o passo seja ousado, não se trata de ato completamente novo na carreira do professor e escritor. Em “Anacrônicas”, romance de 2005, Alexandre já discutia os estatutos poéticos (o que é, afinal, poesia?). “A página mais louca do livro é de palavras copiadas de uma sequência de verbetes do dicionário, de todas as palavras que começam com Ana. Fui copiando os significados e fiz uma página. Tinha um procedimento construtivo rigoroso, mas com um resultado que aparenta o caos”, recorda-se, certo de que é na dúvida que se encontra a arte.

Nova casa, novos ecos

Após meses em silêncio, o Eco – Performances Poéticas voltou a ter voz. O evento que começou no finado Espaço Mezcla, em 2008, levando mais de uma centena de pessoas à casa, nas quintas-feiras, para ouvir poesia, ganhou nova casa. Aportou no Muzik e nesta quinta apresenta sua segunda edição de 2016. Além de Alexandre Faria, participam o carioca João Meireles, lançando sua plaquete “Fui a Lisboa esquecer um amor” (Edições Macondo), e os integrantes da Revista “O Garibaldi”, que comemora um ano de vida. Com uma equipe maior, o som ganha destaque na nova moradia. Laura Jannuzzi canta autorais, João Gama e RT Malone fazem rap e Amanda Messias e Otávio Campos comandam as picapes. Como de costume, o evento preserva seu microfone, aberto após a presença dos convidados, para quem gosta de falar, fazer e ouvir poesia.

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