quarta-feira, 6 de março de 2019

Desacato

O verbo desacatar é de sentido e etimologia facilmente apreensíveis. De des- + acatar, significa, por extensão ao sentido de não acatar, faltar ao devido respeito; afrontar; e também menosprezar, menoscabar, desprezar.

Há o que mereça respeito. Há o que mereça desprezo. O povo é sóbrio, além de soberano. E sabe muito bem quem é quem. O ex-presidente do Brasil, deposto na última semana pelo autoproclamado presidente Zé de Abreu, fora eleito por esse povo sóbrio e soberano, que sabe desacatar. Mas agora uso o verbo noutro sentido.

O Aurélio ainda registra outra acepção para o verbo. Uma gíria brasileira: "causar espanto ou estupefação, pela beleza, elegância, inteligência, ou por outra qualidade". Mais de um samba antigo não  deixa de registrar que "essa morena é um desacato".

Uma letra famosa de Assis Valente também registra:
Minha embaixada chegou,
Deixa o meu povo passar,
Meu povo pede licença,
Pra na batucada desacatar.
É de se notar que quem dá ou não licença para a Embaixada do poeta é o povo. Isso ficará mais claro na última parte, quando o refrão é retomado e ligeiramente modificado:

Minha embaixada chegou,
Deixa o meu povo passar,
Ela agradece a licença,
Que o povo lhe deu,
Para desacatar.

E foi esse mesmo povo que hoje deu uma bela mijada no ex-presidente.

Salve Mangueira!
Marielle vive!

Nada mais por enquanto.
Melhor continuar ouvindo Assis Valente.

Alexandre Faria


Vem vadiar no meu cordão,
Cai na folia meu amor,
Vem esquecer tua tristeza,
Mentindo a natureza,
Sorrindo a tua dor. 
Minha embaixada chegou...
Usei o nome da favela,
Na luxuosa academia,
Mas a favela pro doutô,
É morada de malandro,
E não tem nenhum valor. 
Não tem doutores na favela,
Mas na favela tem doutores,
O professor se chama bamba,
Medicina na macumba,
Cirurgia, lá é samba. 
Minha embaixada chegou...
Vem vadiar no meu cordão... 
Já não se ouve a batucada,
A serenata, não há mais,
E o violão deixou o morro,
E ficou pela cidade,
Onde o samba não se faz.




Um comentário:

Vilma Costa disse...

Muito bom, Alexandre! A crônica crítica nossa de cada dia, como a poesia, deve ser assim: clara, simples e assertiva. "Desacatar", para gente, é antes de tudo reafirmar a esperança, antiga companheira do nosso povo sábio e simples, de soltar a voz, desatar nós em laços fortes de solidariedade confiança. (Vilma Costa)

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