sexta-feira, 4 de outubro de 2019

Por que escrevo? Carlos Augusto Corrêa


Por que escrevo?


Carlos Augusto Corrêa




Versão exclusiva para o Blog da TextoTerritório.



São muitas as razões por que um profissional da palavra escreve. A primeira, no meu caso, foram os pequenos problemas da infância. Lembro que por diversas vezes pegava o papel e ensaiava na pré-adolescência as primeiras manifestações de poesia e prosa. Isso mesmo, por volta de 11, 12 anitos.
Escrevia umas coisas miúdas, frases em prosa, outras em poesia. Eram protestos contra a surra da mãe ou contra quem me proibira de chupar bala. E outros protestos. Detalhe: eu já corria pro papel traduzindo a revolta por palavras.
Aí veio a fase do desabafo amoroso. A primeira paixão, aos 14, me levou a escrever textos cobertos de um sentimento bem menino. As imagens, lembro bem, eram algo do tipo: você machuca as cordas do meu coração. Aquilo já me mostrava que tinha jeito pro negócio. Em vez de desabafar partindo a cara do próximo, me voltava pro papel.
Foi nessa etapa que se deu um salto de qualidade em minha relação com a palavra. Passei a me sentir escritor. Meu velho me presenteou a conhecida antologia poética organizada por Bandeira, e sabem por quem fui logo, logo me enfeitiçar? Por Castro Alves. Imaginem: quis decorar toda a sua poesia. Sabia estrofes e estrofes de O Navio Negreiro e outros de sua fase lírica. Quis até imitar a cabeleira de alguns da época. Resolvi pôr um cavanhaque por semanas, até um dia me chamarem de bode. E aí pronto: adeus, cavanhaque. Never more... Mas continuei almejando ser poeta e prosador.
Bem, desse momento em diante, minha relação com a palavra começou, embora lentamente, a subir degraus. Fui chegando à idade adulta e me dividia entre escrever depoimentos e fazer poesia. Nesse ponto, a antologia de Bandeira me levou a querer conhecer individualmente os poetas. Da sua antologia, parti pra obra de Jorge de Lima , cuja poesia não larguei até hoje. Seu jeito inquieto de poetar, suas metáforas ousadas só me mostravam que eu também podia ser assim na ars poetica. E então fui conhecer Drummond, João Cabral, Joaquim Cardozo. Mais tarde um pouco, Murilo Mendes e o Gullar, poesia que me foi apresentada por um professor de literatura. Vieram os estrangeiros: Baudelaire, Eliot, Ezra Pound, Neruda, Jan Neruda e outros e mais outros.
Por que escrevo? Porque, sobretudo,com o tempo a literatura veio a ser a arte com que melhor exprimo minha relação com o mundo. É o modo mais alto de eu falar com a vida.
Minha relação com a palavra é visceral; ela corre por minhas veias. No início e em toda a mocidade, me debruçava sobre o papel e retocava exaustivamente o que escrevia. Era assim na poesia, como na prosa.
Mas com o tempo, tendo adquirido uma considerável tarimba, não precisei fazer com tanto exagero o trabalho com a forma. Continuei elaborando o texto, contudo o aprontava com mais facilidade.
Ora, a razão maior por que escrevo está ligada a minha vida íntima. Foi essa relação de palavra escrita e ego que fez com que ela se tornasse algo essencial pra mim. Foi ela que me pôs a questionar as coisas ao redor e posteriormente o mundo. E assim espero continuar.

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