sexta-feira, 11 de outubro de 2019

Por que escrevo? Cesar Cardoso

Por que escrevo?

Cesar Cardoso



Terras que inventei

Me encantava com as histórias do avô. Na escola descobri uns objetos de mais ou menos um palmo de altura. Livros. Cheios de histórias como as do avô. Virei leitor, descobrindo mundos, meus e outros. Lá pelos 17 anos, inventar mundos também. Escrever. Tinha uma pedra no meio do caminho do vestibular. O professor de literatura não era o tipo do sujeito inexistente. Me mostrou a descoberta das coisas que nunca vi. Desde então passei a vida à toa, à toa. Fui conhecendo quem tivesse levado porrada e quisesse passar além do Bojador. Para chegar às tropicálias, bananas ao vento e a todas as horas do fim. E sigo descobrindo que só o incomunicável comunica. 

Escrever: que as terras que eu não inventei me sejam leves.


Escrevo: como e por quê?

“Tinha uma pedra no meio do caminho do meu vestibular. Meu professor de literatura não era o tipo do sujeito inexistente, me mostrou a descoberta das coisas que nunca vi. E durante esse ano passei a vida à toa, à toa. Fui conhecendo quem tivesse levado porrada e quisesse passar além do Bojador para chegar às tropicálias, bananas ao vento e a todas as horas do fim. E sigo descobrindo que só o incomunicável comunica.” 
  
O avô contava histórias e me encantava. Entrei para a escola e descobri uns objetos de mais ou menos um palmo de altura, chamados livros, cheios de histórias como as do avô. Virei leitor, descobrindo meu mundo e tantos outros. Lá pelos 17 anos, quis inventar mundos também. Comecei a escrever. 

Escrevo livros (literatura infanto-juvenil, poesia, contos, crônicas e humor) e sou roteirista (humor para a tv). Tenho projetos para todos esses campos. Alguns vão se desenvolvendo mais rápido, alguns vão ficando para trás e às vezes até param por anos. Talvez nunca cheguem ao final. Ou virem outra coisa (um conto sobre futebol virou um livro infantil 15 anos depois). Nos meus livros trabalho sozinho, na tv tudo é em equipe. São experiências que se acrescentam. A escrita solitária é sua responsabilidade: estou ali decidindo tudo (ou quase). O que exige muita reflexão. O trabalho coletivo da tv traz desprendimento. Apresento uma ideia. Se o grupo não gostar, é só jogar fora. Ótima lição saber que o meu principal instrumento de trabalho não é o papel, a caneta ou o notebook, mas sim a cesta de lixo, onde posso jogar fora muita ideia que tenho e não é boa. Viva o desapego. 

Meu processo não é caótico, mas é múltiplo. Vários projetos ao mesmo tempo. No momento, um livro infantil prestes a sair, um outro sendo avaliado pela editora, um livro de crônicas que ainda termino e mais dois, um de crônicas de humor e um de contos, no meio do caminho. E mais: um projeto de poesia visual, que envolve um livro e uma exposição e alguns outros projetos que ainda bem no começo. 

O ponto de partida? Ideias, que podem surgir de diferentes maneiras. Lendo um livro, ou revistas e jornais, vendo filmes, peças de teatro, exposições, músicas que escuto (adoro música, adoro cantar), cenas que vejo na rua. Ou simplesmente ideias que aparecem, sei lá eu de onde vieram. Da memória? Da infância? De lugares da mente que a gente nem conhece direito? Vou anotando e agrupando ideias afins, que sigo amadurecendo e desenvolvendo, o que já significa escrever para um determinado projeto. 

Reviso muito meus textos. (No momento estou revisando este aqui.) Escrever tem uma primeira etapa, onde a graça, o prazer e o centro do trabalho estão na invenção pela primeira vez daquela história, na criação dos personagens que vão vivê-la, ou, quando escrevo um poema, no ritmo que determinados versos vão ter e como cada palavra vai cair ali no papel. Depois, vêm as releituras, onde questiono os caminhos que escolhi, vendo se há outros melhores, olho as palavras, as frases, os personagens, a história como um todo, como estou contando, é por aí mesmo que vou? Posso seguir em frente ou voltar atrás, recomeçar. O texto em que estou trabalhando um dia irá para algum lugar: um blog, um livro, um programa de tv. Enquanto estiver comigo, pode ser mudado. Durante o processo de criação há mais de um momento em que pego o que escrevi e leio em voz alta, para sentir os ritmos, as sonoridades, ver se tal e tal frase cabem na boca de tal e tal personagem. Gosto também de imprimir um texto e levá-lo na bolsa para ler pelo dia afora, quando houver um tempo. Pode ser um texto de poucas páginas, para uma leitura no trânsito enquanto vou para o trabalho, pode ser um livro que estou escrevendo e levo quando vou viajar e passar alguns dias fora. E acho que nunca tenho férias, pelo menos férias totais. Estou sempre com papel e caneta no bolso ou na mesinha de cabeceira ao lado da cama. Uma ideia, uma frase, um verso, eles nunca têm hora marcada. 

Meus hábitos para ajudar a criatividade são: leitura, tv, cinema, teatro, conversas, ou pensar simplesmente. E pensar engloba refletir não apenas sobre literatura e escrita, mas também sobre as experiências da vida, minha e dos outros. 

Muita coisa mudou no meu processo de escrita. E espero que continue mudando. Guardo meus primeiros escritos, guardo muitos rascunhos. Uma papelada sem fim, mesmo em tempos digitais. De vez em quando volto a alguns desses textos e releio para pensar quem eu era, quem eu sou e que processo aconteceu entre esses dois momentos. Qual percurso me trouxe até aqui? E qual me levará para onde eu ainda não sei? 

Quanto à leitura, gosto de ler textos que tenham proximidade com algum dos projetos que estou realizando. É uma das maneiras de pensar o projeto. E adoro passear em livrarias para ir descobrindo livros e autores, mesmo que não venha a lê-los. Também tenho minha lista de escritores preferidos: na poesia, Drummond, Bandeira, Murilo Mendes, Paulo Henriques Brito, que considero o melhor poeta brasileiro de hoje. (É claro que tem muita gente que eu não conheço, minha opinião vem com minhas limitações). Na prosa, Dalton Trevisan, Sergio Sant’Anna, Amos Ós, Antonio Tabucchi, Luiz Vilela, Rubens Figueiredo e tantos outros. A lista é grande, não há como completá-la. Melhor parar por aqui. 

Minha formação é uma espécie de queijo suíço, não pela qualidade, mas sim pela quantidade de buracos. Li pouquíssima coisa de Dostoievski, por exemplo. E morro de vontade de mergulhar na obra dele. Preciso de mais umas cinco vidas para ler e escrever tudo que quero. Não sei se a ciência vai chegar a tempo de me dar esse presente. 

Escrever é o que mais gosto de fazer. Como eu disse num verso: “que as terras que eu não inventei me sejam leves”. 



O carioca Cesar Cardoso (1955) é formado em Letras pela UFRJ. Escreveu para a revista Caros Amigos e para os jornais O Pasquim e O Planeta Diário. É roteirista, tendo escrito programas como Tv Pirata, A Grande Família e Sai de Baixo. Atualmente escreve o Zorra, que foi indicado ao Emmy Awards em 2016.





2 comentários:

Unknown disse...

Maravilhoso. Como inclui vc entre os autores da poesia marginal que estou trabalhando com meus alunos, vou ler este texto estimulante para eles.

Cesar Cardoso disse...

Legal, se quiser mais algumas informações e mais algumas poesias me fale, ok?

Abraço

Cesar

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