quarta-feira, 5 de agosto de 2020

Homem que olha o céu (Mario Benedetti, tradução Francisco Manhães)

Homem que olha o céu

(Mario Benedetti, tradução Francisco Manhães)


Fotograma do filme Apocalypse Now, de Coppola



Enquanto passa a estrela cadente
acumulo nesse desejo instantâneo
montes de desejos profundos e prioritários
por exemplo que a dor não apague minha raiva
que a alegria não desarme meu amor
que os assassinos do povo engasguem
com seus molares caninos e incisivos
e mordam cuidadosamente o próprio fígado
que as barras dos cárceres
se tornem de açúcar ou dobrem por piedade
e meus irmãos possam de novo entregar-se
ao amor e à revolução
que quando confrontemos o espelho implacável
não amaldiçoemos nem nos amaldiçoemos
que os justos avancem
muito embora imperfeitos e feridos
que avancem tenazes como castores
solidários como abelhas
aguerridos como jaguares
e empunhem todos os seus nãos
para instaurar a grande afirmação
que a morte perca sua imunda pontualidade
que quando o coração salte do peito
possa encontrar seu caminho de retorno
que a morte perca sua imunda
e brutal pontualidade
mas se chega pontual não nos apanhe
mortos de vergonha
que o ar seja de novo respirável e de todos
e que você, mocinha, siga alegre e dolorida
pondo sua alma nos olhos
e sua mão na minha mão
e mais nada
porque o céu já está de novo turvo
e sem estrelas
com helicóptero e sem deus


Hombre que mira al cielo


Mientras pasa la estrella fugaz

acopio este deseo instantáneo
montones de deseos hondos y prioritarios
por ejemplo que el dolor no me apague la rabia
que la alegría no desarme mi amor
que los asesinos del pueblo se traguen
sus molares caninos e incisivos
y se muerdan juiciosamente el hígado
que los barrotes de las celdas
se vuelvan de azúcar o se curven de piedad
y mis hermanos puedan hacer de nuevo
el amor y la revolución
que cuando enfrentemos el implacable espejo
no maldigamos ni nos maldigamos
que los justos avancen
aunque estén imperfectos y heridos
que avancen porfiados como castores
solidarios como abejas
aguerridos como jaguares
y empuñen todos sus noes
para instalar la gran afirmación
que la muerte pierda su asquerosa puntualidad
que cuando el corazón se salga del pecho
pueda encontrar el camino de regreso
que la muerte pierda su asquerosa
y brutal puntualidad
pero si llega puntual no nos agarre
muertos de vergüenza
que el aire vuelva a ser respirable y de todos
y que vos muchachita sigas alegre y dolorida
poniendo en tus ojos el alma
y tu mano en mi mano
y nada más
porque el cielo ya está de nuevo torvo
y sin estrellas
con helicóptero y sin dios

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