domingo, 28 de março de 2021

Bandeira, o Poeta de Nós todos, Carlos Augusto Corrêa

https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Homenagem_a_Manuel_Bandeira_1.jpg


Outro dia vi uns meninos encardidos e magrinhos passando rápido ali pela Sala Cecília Meireles. Estavam simplesmente felizes, bem soltos em sua miséria extrema. De imediato me lembrei dos Meninos Carvoeiros, de Bandeira. No poema, depois que os carvoeirinhos entregam os sacos de carvão, eles voltam, escreve o poeta, e vêm "mordendo um pão encarvoado...| apostando corrida, dançando, bamboleando..." O poeta os chama de espantalhos desamparados. 

Aproximei aqui os moleques da Lapa com os meninos carvoeiros pra mostrar como Manuel Bandeira está próximo de nós. Como ele falou de um cotidiano nosso, como sua arte continua presente.

Uso versos seus e aqui, ali aplico no dia a dia. Verdade. Já lancei mão, não sei quantas vezes, da ideia de Pasárgada. Pasárgada é pra mim  um tipo de paraíso aonde só vai gente especialíssima. Não sei se concordam comigo, mas Bandeira criou esse paraíso pra abrigar não só Drummond, Mário de Andrade e outros que tais. Criou pra acolher gente como nossos meninos carvoeirinhos, também especiais, e certamente todos os assalariados da silva que sempre vêm recebendo o peso dos altos impostos. Lá um carvoeirinho seria igualmente amigo do rei e teria todos os picolés e cocadas sobre a mesa que ele bem escolhesse. 

A poesia de Bandeira faz lembrar o quê? Lembra criança na praça, as velhas peladas na calçada que minha geração cansou de jogar. Ao ler o poeta, quem não visualiza casais namoradinhos passeando pela Atlântica? Penso nas idas ao Maracanã e em todos os lugares marcantes ou não deste país. A poesia de Bandeira tem cheiro de rua e fala simples e criativo de tudo quanto é legitimamente brasileiro. Como o carnaval, título de seu segundo livro, lá onde faz um carnaval com a forma fixa da poesia e vai adotar o verso livre. O sapo se tornou um dos versos precursores do Modernismo e, cá pra nós, os sapos até hoje devem agradecer tanta honra. 

Já vi poetas e poetas bebendo em bar, restaurante, em noites de autógrafos, na casa de amigos. Alguns deles, no entanto,e não foram poucos, beberam na poesia de Bandeira. Você nota na leitura deles a influência do velho mestre que ficou em nosso tempo como se fosse um inconsciente coletivo.

Vi Manuel Bandeira, já comentei em outra ocasião, uma só vez. Eu era estudante universitário e ele, um monstro mais do que sagrado e já octogenário, entrava na antiga FNFI, hoje UFRJ, amparado por duas professoras. Não fui até o poeta. Meus olhos arregalados foram. Na cabeça de um adolescente era muito o que estava vendo. Afinal ali estava um dos nomes maiores do Modernismo, um de seus iniciadores.

Faz décadas um amigo e eu estávamos no apartamento do Villaça, ali em Santa Teresa, no hotel, salvo engano, Bela Vista. E entre os vários assuntos abordados (foram umas três horas de conversa sobre literatura) Bandeira veio à tona. Villaça, então, com aquela observação aguda e o risinho descontraído, destacou as proezas mulherístico-libidinosas do poeta que neste particular, pelo que ouvi, não era nada católico. Bandeira não perdoava. Segundo Villaça, ele fazia sucesso junto à mulherada mais moça. Bem, deixo eu os detalhes pra um amigo seu aí memorialista, se é que esteja interessado em fazer o relato.

Volta e meia, ao ver cenas populares como carnaval, samba..., penso em sua poesia. Penso no espírito popular que circulava por seus versos. Manuel Bandeira foi e é, gente, universal e urbano, ele gostava imensamente de ser Brasil.

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