sábado, 13 de novembro de 2021

Lembranças da Ditadura - Carlos Augusto Corrêa

Dinalva Oliveira Teixeira

Ouvi falar dela algumas vezes. Não estou me referindo à ditadura não; a esta conheço muito bem, tenho dela marcas íntimas bastante desagradáveis. Faço menção a uma militante, do PCdoB, uma baiana destemida que, pelo que contavam, exerceu forte liderança na comunidade onde atuava, sendo muito querida. Segundo consta em sua biografia, era geóloga e professora tendo participado do movimento de guerrilha nos anos 70. Seu nome? Dinalva. Dinalva Oliveira Teixeira, conhecida por Dina.

Tornou-se conhecida não só pela delicadeza com que tratava o povo do lugar, senão por sua coragem e qualidade nas operações de combate. Relatam que os soldados, convocados pra detê-la ou matá-la a temiam. 

Mas o que desejo destacar não é bem isso, e sim a determinação com que encarou a sua prisão e a morte. Presa e cruelmente torturada por semanas, sem delatar a ninguém, foi em seguida posta num helicóptero por um capitão, esses capitães são danados e ali lembravam também os deploráveis capitães do mato. Evidente que esta viagem não seria de núpcias ou mesmo turística, seria, como sabem, pra assassiná-la. O executor foi um sargento cujo nome não importa; sabe-se, pois é, que havia sido seminarista(!).

 Mas a coisa não parou por aí. Nessa viagem trágica ela perguntou ao sargentão se ia morrer num determinado local aonde haviam chegado. Conversa natural (hein?) e franca. O sujeito disse que não, seria mais adiante. E "passearam" até uma clareira onde o fato se deu. Honrando sua coragem e a liderança que exercia, ela disse que gostaria de morrer de frente. Então, certamente com a frieza com que devia beijar a sua mulher, o assassino disse um vira pra cá e lhe acertou um tiro no peito.A ditadura a enterrou ali mesmo e, engraçado, o corpo jamais foi encontrado.

Ah que lembrança! Esclarecedora, não? Louvo a coerência de gente assim, foi ela mesma até o final. Isto é compreensível pelo nível de participação que teve nessa luta, por isso este seu comportamento estava bem de acordo com sua visão de mundo.

Esta, um lembrança que chamo de dois lados.Por um lado é lamentável, e não é preciso explicação. Por outro, vejo nisto algo consolador. Tive a oportunidade de fazer uma justa homenagem a alguém que não conheci e cuja história muita gente soube na ocasião. Além disso foi bom isto vir à tona pra mostrar ao mais moço o que uma ditadura, em nome do progresso e da ordem, é capaz de fazer com quem pensa o contrário dela.

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