domingo, 23 de dezembro de 2018

"Versos de Natal", de Bandeira & "Animais do presépio", de Drummond

Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade foram os poetas citados por Cesar Cardoso, em seu Bate-bola.

Escolhemos aqui um poema de cada um desses mestres da poesia brasileira.

Ficamo como nossos votos de Feliz Natal, para os leitores.


Versos de Natal

Manuel Bandeira

Espelho, amigo verdadeiro,
Tu refletes as minhas rugas,
Os meus cabelos brancos,
Os meus olhos míopes e cansados.



Espelho, amigo verdadeiro,
Mestre do realismo exato e minucioso,
Obrigado, obrigado!

Mas se fosses mágico,
Penetrarias até ao fundo deste homem triste,
Descobririas o menino que sustenta esse homem,
O menino que não quer morrer,
Que não morrerá senão comigo.
O menino que todos os anos na véspera de Natal
Pensa ainda em pôr os seus chinelinhos atrás da porta.

1939

(In: Lira dos Cinquent'anos)


Animais do presépio

Carlos Drummond de Andrade

Salve, reino animal:
todo o peso celeste
suportas no teu ermo.


Toda a carga terrestre
carregas como se
fosse feita de vento.

Teus cascos lacerados
na lixa do caminho
e tuas cartilagens

e teu rude focinho
e tua cauda zonza,
teu pêlo matizado,

tua escama furtiva,
as cores com que iludes
teu negrume geral,

teu voo limitado,
teu rastro melancólico,
tua pobre verônica

em mim, que nem pastor
soube ser, ou serei,
se incorporam, num sopro.

Para tocar o extremo
de minha natureza,
limito-me: sou burro.

Para trazer ao feno
o senso da escultura,
concentro-me: sou boi.

A vária condição
por onde se atropela
essa ânsia de explicar-me

agora se apascenta
à sombra do galpão
neste sinal: sou anjo.

(In: Claro enigma)

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