domingo, 10 de janeiro de 2021

A senhora de hoje, Carlos Augusto Corrêa

Jess Cummin, Escócia.
Sangue da própria menstruação sobre tela.

Ela é uma nonagenária sentada à mesa de um Hortifruti aqui da zona norte.  Toda espigadinha, quase a chamo de gata, o olhar vivo, pois se há algo que não envelhece com o tempo, esse algo é o olhar e este não quer saber se a pele murchou, o andar ficou mais lento e as marcas de expressão tomaram conta dos locais mais ligados à beleza. Ele guarda a força de antes. 

Àquela mesa, esta senhora mantinha-se com uma mansuetude, não propriamente de Buda e que eu não consigo ter, mas aquela que os anos lhe deram, consequência de uma vida mais do que labutada. Os cotovelos esteticamente postos sobre a mesa diziam com elegância de sua soberania. 

Quando cheguei, ela acabava uma conversa com uma amiga. A voz pausada, roufenha mas firme, e o português de antigamente: - Você sabe, Judite, daquele tempo do fogão a lenha que eu via muito na casa de minha avó. Tudo isso dá saudade mas acontece que a gente tem de estar vivendo esse momento. Eu gosto de ser uma senhora de hoje - e sorriu.

Ela ainda ficou sentada por minutos, então se levantou a custo, pegou firme a bengala, passou pela mesa onde eu estava e mostrou que o andar pesado e os outros problemas da idade não a impediam de ser uma mulher que não se dobrou às circunstâncias.

Um comentário:

Unknown disse...

Bem expressiva a ilustração. Fiquei comovido.

Convocatória

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