quarta-feira, 19 de maio de 2021

Reencontro dos heróis, conto de Roberta Tanabe

Dois irmãos gêmeos separados por uma longa internação hospitalar. Quando se encontram viram super-heróis.
Confira esse sensível conto de Roberta Tanabe.


Foto Ana Marques
 
Eram irmãos gêmeos. Parceiros inseparáveis nas brincadeiras, na mesa e no quarto. Eram semelhantes na aparência, mas não no porte. O menor era o mais velho e a diferença de tamanho não resultava de falta de apetite. Portador de uma condição grave, não duraria muito. Volta e meia, a família se separava para cuidar de cada um.  Um ficava na casa dos avós e o outro no hospital. Pela regra da Instituição, não era permitida a visita de crianças. Ficavam longos dias separados, perguntando um pelo outro, sem entender a razão. Nessas ocasiões, conversavam apenas por telefone e se viam nos vídeos gravados pelo celular. Era um recurso que amenizava a saudade, mas não contentava o coração. O pai decidiu contar a história de amizade dos seus gêmeos para ver se conseguia driblar as regras, mas não obteve sucesso. A guarda que vigiava a porta da enfermaria era firme, mas diante tamanha insistência fez uma breve concessão para se livrar do sujeito impertinente. O encontro foi então autorizado e marcado para o dia seguinte. Seria na zona de fronteira e duraria alguns instantes. A porta da enfermaria foi o local determinado, afinal um não podia sair e o outro não podia entrar. Acordo firmado.
 
Como explicar para uma criança que era preciso esperar pelo dia seguinte e que havia regras a serem obedecidas. De certo, concordaria com tudo sem saber o que era dia seguinte, regras ou acordos. Como esperado, o período transcorreu num clima de enorme ansiedade das duas partes. O sono foi interrompido algumas vezes para checar se já estava claro. A manhã enfim chegou. O pequeno saiu vestido com sua roupa herói, na esperança de resgatar seu parceiro do local onde acreditava estar sendo mantido prisioneiro. Embora soubesse dos seus superpoderes e que poderia chegar voando, decidiu seguir de carro com seu pai para não levantar suspeitas. Não poderia deixar que seu segredo, nem que suas intenções fossem descobertas. Enfrentou impaciente o engarrafamento até o destino e ainda precisou andar uma longa distância para suas pequenas pernas.  O pai anunciou a chegada deles num telefonema que fez a mãe vibrar e o pequeno sorrir de novo. Na hora marcada já estavam a postos, não podiam se atrasar.
 
Subiu correndo as escadas, ansioso para o tão aguardado encontro. Estavam sem se encontrar há mais de um mês. Seu irmão apareceu no colo da mãe, abatido e vestindo o mesmo uniforme de herói que ele. Tinham se comunicado telepaticamente sobre o traje que deveriam vestir. Percebeu que a sintonia deles se mantinha forte. Assim que o viu, largou a mão do pai que o continha e saiu correndo. O outro se desvencilhou da mãe num salto ao chão.  Irmão!!! gritaram em coro, enquanto se apertavam num longo abraço. Eram dois super-homens lado a lado, agora a diferença de altura era evidente. Estava fraco devido ao excesso de criptonita que estavam lhe dando, pensou. Não é preciso contar que os acordos foram desobedecidos logo de cara. Ele ultrapassou a zona de fronteira e correu para dentro. Ficaram pulando juntos de mãos dadas e logo em seguida lembrou o que viera fazer ali. Puxou o irmão pelo braço e fugiram correndo pelo corredor. Já não importava mais quem não podia entrar e quem não podia sair. Existem limites para super-heróis?

Conto publicado no livro, Mosaico - vidas em reinvenção



 

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