domingo, 1 de março de 2020

Crônica de Carlos Augusto Corrêa - Os Oitent´Anos de Affonso - O Romano de Sant´Anna


Willem de Kooning

Chão de Praça 
                         

     Os Oitent´Anos de Affonso - O Romano de Sant´Anna 

Há dois anos solicitei aqui no Facebook a amizade de Affonso Romano de Sant´Anna  pra que fôssemos duplamente amigos. Affonso é pessoa que prezo há quase quarenta anos e em todo esse tempo - aliás de poucos contatos - consigo ter por ele admiração fundamentada pela obra literária, tanto quanto pela pessoa. 
Conheci o poeta lá na Civilização Brasileira em encontros com o Moacyr Félix, então editor da grande revista cultural. E daí por diante fui acompanhando meio carioca, meio mineiramente a sua trajetória pela literatura. Não é preciso despender palavras pra dizer quanto me envolvo com o seu Que país é este?. Li-o em 1980, entusiasmado, em um tempo em que o país vivia um período de silêncio social forçado, que é o pior inimigo da liberdade de espírito. O livro levou a reflexões, levou uma vez mais a sonhar com o fim de tal coagido silêncio, fim que graças a nossas mobilizações (e, para quem crê, graças também a Júpiter) acabou por vir anos depois. 
Do Affonso pessoa, a maioria é unânime em tomá-lo por aberto, ao novo da arte, aos novos e a todos que o respeitam. De certo modo ele assim deu um piparote  nas atitudes afetadas e alguma vez arrogantes de um e outro medalhão, palavra que sempre me cheirou a luxo decadente. 
Sempre fui por ele tratado com elegância. Tenho duas passagens marcantes que comprovam o fato. Uma no Jornal do Brasil, lá pelos idos de oitenta ou início de noventa, não lembro bem, e outra, bem mais recente, na Biblioteca Nacional. Em ambas, e por sinal como sempre, a cordialidade e o jeito caloroso de acolher os amigos. No JB, por exemplo, Affonso já estava de saída indo em direção ao elevador e eu saindo dele. Affonso me viu e fez questão de voltar levando-me até à sala de redação pra que todos vissem o novato aqui acompanhado por ele. Foi como se dissesse: prestem atenção ao rapaz. 
Em 84 tive o prazer de ler, entre tantas outras,uma crônica no jornal O Globo feita a respeito de quatro poetas, um dos quais esse cronista que lhes escreve, fato que sorvi como se tragasse um bom vinho chileno. Fiquei mais uma vez grato ao poeta. 
Ano passado telefonei pra Affonso e lhe pedi um depoimento sobre Drummond que veio a constar de um livro meu sobre linguagem. Semanas depois lá me veio de bandeja um texto comovente, digno de se referir à arte poética drummondiana. Publiquei, além disso, um expressivo poema amoroso seu.
Conheci Affonso quarentão e anos depois o vejo chegar, e bem, à casa, não mal assombrada, mas feliz dos oitenta. Ereto e lúcido, cordial e flexível. Não sei se fará, ou se já fez, como Bandeira que tão logo se tornou octogenário publicou a Estrela da Vida Inteira. Aos 27 de março o poeta, cronista, ensaísta, crítico e professor Affonso Romano de Sant´Anna ficou oitentão. Penso que por tudo quanto fez e tem feito pela cultura literária de nosso país, inclusive no exterior, as Universidades brasileiras podiam e deviam lhe prestar a devida homenagem. Penso que a Academia já se manifestou a respeito. Ou não? Penso que as escolas municipal e estadual podiam ao menos estar atentas a essa data. Penso, penso e mais penso e continuo pensando. Afinal, os poetas expressivos merecem tal celebração. Pois notem que em vida, antes de conhecerem o tal enigma ou como dizia Bandeira, a indesejada das gentes, eles viram estrelas.

Carlos Augusto Corrêa 

Um comentário:

Unknown disse...

Ficou lindo o texto.

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