Carlos Augusto Corrêa
Primeiro Dia de Quarentena
É noite. E o silêncio permanece. Os mesmos carros parados que vi de manhã continuam estacionados, parece que estão dormindo ou, sei lá, dopados. Um ar, de fato, silencioso e noturno.
Este não é o Rio que conheço há mais de sessenta anos. Eu não poderia agora dizer de minha cidade que ela "amanheceu cantando". Que " toda cidade amanheceu em flor" etc e tanto. Não, minha cidade não amanheceu cantando nem se compara a uma flor. Quem viveu em 60 e 70 assistiu a um vídeo em que Dalva de Oliveira canta "Primavera no Rio" ao lado de nossa Leila Diniz, e Leila rebolando um rebolado malucamente carioca. Hoje esta lembrança não tem nada com as ruas desertas que a internet mostra.
Não houve temporal nem enchente com desabamento e outros maus bichos. O que houve é que igual a mim as pessoas estão cabisbaixas, presas em casa, estupefatas com o que o coronavírus já começou a aprontar aqui. E com os demais 103 países, infelizmente bem mais invadidos.
Daqui da janela de casa, tudo cheira a apreensão e tristeza. Cadê a gente caminhando pela orla da praia? Cadê os gatos perto dos quiosques? Cadê tudo ou quase tudo que vejo dia e dia?
Tudo leva ao silêncio. Há muito eu disse que o silêncio da noite lembra o silêncio da morte. Lembra. Agora ele tira um pouco de nosso equilíbrio existencial, sim, um pouco, mas tira.
Amanhã vou ver se posso dar um pulo por aí e ver a padaria, o quiosque onde como, quero rever o Raul que nesse início de verão costuma fazer um lual lá na praia do Lido. Quero ver famílias fazendo piquenique na areia da praia. Quero ouvir lá na praia a voz da Simone, aquela que tem voz de garganta na praça, cantando "O que será do amanhã..." mas acontece que esse amanhã, pelo jeito, não será do dia seguinte, nem do dia depois do seguinte, e só de pensar nisso está crescendo uma inquietação que só vai se abrandar com uma dose cavalar de conhaque.
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