quarta-feira, 13 de novembro de 2019

"Arroz, Feijão, Saúde, Calor e Ela", conto de Cynthia Magluta

Arroz, Feijão, Saúde, Calor e Ela 

Cynthia Magluta 


Ai, que frio! 

Porque foram me tirar de lá? 

Ouvia sempre essa voz, cantando, falando comigo. 

Mão quentinha, gostoso. 

Porque me tiraram de perto dela? 

Cansado. 

*  *  * 

Quanta luz! 

Pelo menos nessa caixa está quentinho, mas seco. Até que gosto, mas é bem mais duro. Quanta coisa grudada em mim, difícil me mexer. Muitas caixas com bebês, mão de borracha por todo lado e cadê ela? Acho que aquela garota está falando comigo. Ah, acho que entendi, quer saber como estou, se o frio já passou? 

- Melhor. Mas estou com uma fraqueza. Sabe de onde vem? 

- Quem mandou nascer no sábado de tarde? 

- Por quê? Tem diferença? 

- Claro que sim. Você vai perceber que alguns dias que tem mais gente, são os dias de semana, aí vem dois dias diferentes. Final de semana. Quando você nasce nestes dias, não te dão soro de comida até segunda-feira lá para o meio do dia, aí você vai ficando fraco. Muita força nessa hora. 

- E a gente não pode fazer nada? 

A garota riu tanto que dormiu. 

O garoto do outro lado era maior que nós dois e acompanhou nossa conversa. Gostou da ideia. Falava com muita revolta, sabia bem como deveria ser. Mais comida, menos agulhadas, futucações e mais tempo, muito mais tempo com nossas mães. Mãe. Voz que canta. Mão quentinha. Os outros mais longe de nós decidem entrar na conversa, também querem lutar. Engraçado que os mão de borracha não percebam o rebuliço. Tomo coragem. 

- E o que vamos aprontar? 

- Chorar todo mundo junto! 

Muitos aprovam. Senti que gosto de organizar, aí falei: vamos chorar juntos e quando... 

- Aí cara, eles se chamam médicos, enfermeiros e outros nomes. 

Agradeço e continuo na organização da estratégia. 

- Quando eles vierem ver o que está acontecendo, paramos todos juntos, aí choramos de novo! Tudo certo? Todos aprovaram. 

- Vamos lá, galera! 

Choramos e choramos. Pernas chutando o ar e apitos por todo lado. Fiquei apagado por não sei por quanto tempo. Ela chegou, seu toque me fez super bem. Cantou. Ficamos juntos um bom tempo conversando. Queria me pegar, não deixaram. Ainda estava meio tonto e ouço o garoto maior. 

- Ótimo plano, chefe, só que não. 

- Com certeza, deu para falar com esforço. Estou apagando de novo. E ela se foi. Pena. 

Acordo assustado, tomo coragem e volto a agitar a galera. 

- Vamos gente. Vamos achar outra coisa. Bora pensar numa parada. 

- Vamos fazer xixi na mão deles! 

- Isso só dá para os garotos, disse uma garotinha de rosto magro. Acho que podemos segurar na mão deles, fazer com que eles olhem para nós. 

- Não, nada disso, vamos morder. 

- Oh, iluminado, morder como? Não temos dentes. 

Retomo a liderança. 

- Bora fazer xixi neles. 

- Bora. 

Todos reclamavam de como era difícil guardar o xixi. Alguns paravam para não cair no sono. Os aparelhos disparavam com a agitação. Percebi que os médicos, enfermeiros não entendiam nada. 

Exausto, outra soneca. 

Ela veio de novo. Aquela mão quentinha só podia me tocar. Tremíamos um pouco, sei lá por que. Ficamos juntos um bom tempo. Veio o papai, eles se abraçaram. Queriam me pegar, não deixaram. Ficaram falando com eles. Os dois me tocaram. Dormi. 

7 comentários:

Eremita Val Rafael disse...

Mão quentinha, posição canguru! Um direito! Vamos fazer barulho!

Ana Paula Cruz disse...

Presença dos pais um direito dos Recém-nascidos, uma evidência incontestável de saúde. Parabéns maravilhosas refkexoes este lindo texto nos traz.

Unknown disse...

Considero muito importante é o relato referente à presença da mãe, que acalma, dá segurança e tranquilidade.

Martha disse...

O Método Canguru é uma maravilhosa ferramenta para os profissionais facilitarem o contato da mãe/pai com seu bebê. Vamos promovê-lo!

Cynthia disse...

Obrigada pelos comentários

Unknown disse...

Dra Cynthia PARABÉNS, que lindo, quanta sensibilidade. GRATIDÃO por esse presente.

Irene disse...

"Muita força nessa hora" acho que é a frase chave de nossas vidas. Momentos de soledades que repitense ao longo da vida e remiten nos à origem de tudo onde descobrimos que somos um más que com o apoio de outros unos somos más fortes.
Obrigada Mami por um outro aprendizagem!

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