No feriado de hoje a postagem da série "Liberdade sempre" recebe a colaboração de Lúcio Autran neste primeiro poema de uma série, em que o "Cão" tem nome e endereço.
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Poço Iniciático, Quinta da Regaleira, Sintra. Foto: Ivo Gomes |
A conta do cão I
E Heliogábalo, como rei, se encontra no melhor lugar possível para reduzir a multiplicidade humana, e por meio do sangue, da crueldade, da guerra, o que nos levaria até o sentimento de unidade.
(Antonin Artaud: Heliogábalo ou o Anarquista Coroado)
Parte dessa conta, Cão, é só tua, te pertence
de fato e de direito, e será cobrada por ofício,
por oficial, por pregão ou edital. E cada Real
que contraíste no balcão da morte, o crédito
de parte da colheita desta safra de angústias
te será cobrado com os juros do desespero.
Por exemplo, pela dor de cada seio rachado
pelos cristais de leite seco, pedras sem valor,
dadas em depósito como penhor da solidão.
Os lençóis sem marcas do sono que sucede
o amor, só as manchas dos choros contidos
nas fronhas da insônia sem gozo orgasmos.
As marcas destas noites sem tesão, cada uma
será lavada e lavrada na tua conta, e pagarás
com a tua memória o equívoco da tua vitória,
pois a conquistaste penhorando nossa alegria,
e nenhuma garantia deste, senão tua patifaria.
Espera, há outra pesada conta a ser cobrada:
A do amor não consumado, as línguas vazias
num espelho escuro, essa melancólica fantasia
de um corpo pela mão que a si mesmo acaricia.
E a do amor coabitado, mas em ódio consumido:
a traição descoberta na tela estilhaçada, espelho
partido no silêncio que existe entre o grito e o tiro
Outra conta, dirás vulgar, porém é mais nobre
que o teu posto: pagarás o preço pelos puteiros
fechados, as putas sem trabalho e suas flores
inúteis ressecadas pelas bestializadas cicatrizes
das facas que forneceste aos que as surravam,
teus sócios: gigolôs, milicianos e outros trastes,
E sabendo que a morte alcovitava por estreitas
frestas, e estreitava contra o seio velhos doentes
e os mancos do amor, outra cafetina contrataste,
para o michê de tua ganância: a Imprudência,
eis a falência do difícil e digno ofício da carne,
mais digno que esse teu, de gigolô da Morte.
Pelas camas vazias e pela fome de seus filhos,
teus irmãos, e por tanta dor que a morte tributa,
pagarás preço e pensão, afinal, tu és um filho.
E aquele lugar na História, que tanto sonhaste,
tua foto eternizada nos livros que nunca leste,
no entanto, censuraste; teu sorriso de lagarto
sórdido estampado nas páginas e nas paredes
escolares, a encontrarás finalmente, que pena,
algo distorcida, na folha 666, a cifra da Besta.
Não como um ridículo herói, que jamais serás,
com tuas medalhas de aluguel e a essa farda
ornada de comendas encomendadas para fotos
nos panteões da Pátria. Encontrarás, apenas
lamentamos, teu sorriso cínico, o olho vidrado
e doente que jamais chora e na boca o sangue
que inutilmente disfarças, mas vemos escorrer
entredentes. Para sempre estampado o sorriso
de réptil, perpetuado na página do teu enterro.
Essa será tua fatura, a tortura que tanto amavas:
aleias desertas no teu velório vazio, um cortejo
de ausências eternizado sem tambores, salvas
de silêncio cobradas por corpos não enterrados,
e a saudade virtual das memórias não choradas.
Creonte escroto! De ti cobraremos tantas contas,
Porém, lembra-te, Cão, hoje e sempre e afinal,
ainda que passem os séculos e fujas, como cão
suicida ganindo no Inferno, pagarás todo preço
de teu mal. Dele não abriremos mão.
pelos cristais de leite seco, pedras sem valor,
dadas em depósito como penhor da solidão.
Os lençóis sem marcas do sono que sucede
o amor, só as manchas dos choros contidos
nas fronhas da insônia sem gozo orgasmos.
As marcas destas noites sem tesão, cada uma
será lavada e lavrada na tua conta, e pagarás
com a tua memória o equívoco da tua vitória,
pois a conquistaste penhorando nossa alegria,
e nenhuma garantia deste, senão tua patifaria.
Espera, há outra pesada conta a ser cobrada:
A do amor não consumado, as línguas vazias
num espelho escuro, essa melancólica fantasia
de um corpo pela mão que a si mesmo acaricia.
E a do amor coabitado, mas em ódio consumido:
a traição descoberta na tela estilhaçada, espelho
partido no silêncio que existe entre o grito e o tiro
Outra conta, dirás vulgar, porém é mais nobre
que o teu posto: pagarás o preço pelos puteiros
fechados, as putas sem trabalho e suas flores
inúteis ressecadas pelas bestializadas cicatrizes
das facas que forneceste aos que as surravam,
teus sócios: gigolôs, milicianos e outros trastes,
E sabendo que a morte alcovitava por estreitas
frestas, e estreitava contra o seio velhos doentes
e os mancos do amor, outra cafetina contrataste,
para o michê de tua ganância: a Imprudência,
eis a falência do difícil e digno ofício da carne,
mais digno que esse teu, de gigolô da Morte.
Pelas camas vazias e pela fome de seus filhos,
teus irmãos, e por tanta dor que a morte tributa,
pagarás preço e pensão, afinal, tu és um filho.
E aquele lugar na História, que tanto sonhaste,
tua foto eternizada nos livros que nunca leste,
no entanto, censuraste; teu sorriso de lagarto
sórdido estampado nas páginas e nas paredes
escolares, a encontrarás finalmente, que pena,
algo distorcida, na folha 666, a cifra da Besta.
Não como um ridículo herói, que jamais serás,
com tuas medalhas de aluguel e a essa farda
ornada de comendas encomendadas para fotos
nos panteões da Pátria. Encontrarás, apenas
lamentamos, teu sorriso cínico, o olho vidrado
e doente que jamais chora e na boca o sangue
que inutilmente disfarças, mas vemos escorrer
entredentes. Para sempre estampado o sorriso
de réptil, perpetuado na página do teu enterro.
Essa será tua fatura, a tortura que tanto amavas:
aleias desertas no teu velório vazio, um cortejo
de ausências eternizado sem tambores, salvas
de silêncio cobradas por corpos não enterrados,
e a saudade virtual das memórias não choradas.
Creonte escroto! De ti cobraremos tantas contas,
Porém, lembra-te, Cão, hoje e sempre e afinal,
ainda que passem os séculos e fujas, como cão
suicida ganindo no Inferno, pagarás todo preço
de teu mal. Dele não abriremos mão.
Um comentário:
Muito forte! Parabéns!
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